Quarta-feira, 31 de Dezembro de 2025

Home Colunistas 2026: Questão Fiscal na Proa

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O sistema financeiro global atravessa um ciclo de alavancagem sem precedentes históricos. Segundo o Institute of International Finance (IIF), a dívida global, somando governos, empresas, famílias e setor financeiro, alcançou aproximadamente US$ 324 trilhões em 2025, o equivalente a mais de 325% do PIB mundial. Esse patamar reflete mais de uma década de políticas monetárias ultraexpansionistas, juros estruturalmente baixos e sucessivas rodadas de liquidez, utilizadas para conter crises financeiras, a pandemia e choques geopolíticos, mas que acabaram por inflar preços de ativos e ampliar fragilidades sistêmicas.

A abundância de crédito reduziu artificialmente o custo de capital, estimulando bolhas em mercados financeiros e imobiliários. A reversão desse ciclo, iniciada com a elevação sincronizada das taxas de juros pelos principais bancos centrais, expõe agora o outro lado do excesso de liquidez: dificuldades crescentes de rolagem de dívidas, reprecificação abrupta de ativos e maior aversão ao risco. Economias e empresas altamente alavancadas tornam-se mais vulneráveis, enquanto investidores buscam refúgio em títulos soberanos, moedas fortes e metais preciosos.

Para economias emergentes como o Brasil, o impacto é amplificado. A manutenção de juros elevados nos Estados Unidos pressiona os fluxos internacionais de capitais, encarece o financiamento externo, afeta o câmbio e eleva a volatilidade financeira doméstica. Esse movimento ocorre em um contexto de vulnerabilidades estruturais ainda não resolvidas, como nossa questão fiscal, o que reduz o espaço de manobra da política econômica.

No mercado interno, os sinais de esgotamento do modelo de crédito são evidentes. Dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC) indicam que cerca de 79% das famílias brasileiras estavam endividadas em 2025, enquanto quase 30% apresentavam dívidas em atraso. O endividamento das famílias alcançou 49,3% da renda anual, com comprometimento médio de 29,4% da renda mensal, níveis historicamente elevados. O crédito ao consumo segue como principal vetor de risco: o saldo do crédito rotativo do cartão atingiu cerca de R$ 79 bilhões em 2025, e a inadimplência nessa modalidade ultrapassou 60%, evidenciando uma armadilha financeira de difícil reversão. As taxas médias do rotativo, em torno de 450% ao ano, continuam entre as mais altas do mundo, tornando estruturalmente impagável uma parcela relevante dessas dívidas.

No plano fiscal, as restrições também se intensificam. A dívida bruta do governo geral aproxima-se de 76% do PIB pela metodologia oficial brasileira (e cerca de 88% do PIB segundo critérios do FMI). Embora inferior à de alguns países desenvolvidos, sua composição é particularmente sensível à política monetária, dado o elevado peso de títulos indexados à Selic e de vencimento relativamente curto. Com juros reais elevados, o custo de rolagem da dívida cresce rapidamente, comprimindo o investimento público e reduzindo a eficácia de políticas contracíclicas.

Nesse ambiente, a política monetária opera sob forte dilema. A manutenção de juros elevados ajuda a conter pressões inflacionárias e a ancorar expectativas, mas aprofunda a fragilidade do crédito, eleva a inadimplência e aumenta o serviço da dívida pública. Um afrouxamento prematuro, por sua vez, pode gerar desancoragem das expectativas, pressões cambiais e deterioração da percepção de risco. A ausência de coordenação com uma política fiscal crível amplia esses riscos.

O perigo central reside na possibilidade de deterioração simultânea dos vetores externo e interno. Caso a liquidez global continue a se retrair e o Brasil não apresente sinais claros de consolidação fiscal, a percepção de risco pode se elevar rapidamente, pressionando câmbio, inflação e juros. A experiência histórica mostra que choques de confiança, em contextos de elevado endividamento e crédito mal alocado, tendem a se materializar em crises financeiras agudas e ajustes recessivos. Em síntese, 2026 sugere ser um ano no qual a questão fiscal será ainda mais decisiva do que foi em 2025 e pauta incontornável na agenda eleitoral.

(Instagram: @edsonbundchen)

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