Terça-feira, 15 de Julho de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 15 de julho de 2025
Era uma vez um cachorro forte, alegre, de pelo brilhante. Corria pelos quintais da vida sem medo, sem coceiras, sem culpas. Tinha dono, sim, daqueles que erram, mas cuidam. Dava comida, carinho e liberdade.
O cachorro vivia bem, sem grandes luxos, mas com dignidade. Foi, então, que chegaram as primeiras pulgas, com suas bandeiras e lenços vermelhos amarrados no pescoço (naturalmente uma alusão ao sangue)…
Pequeninas, silenciosas, sorridentes. Se instalaram atrás da orelha, dizendo que só estavam ali para ajudar, que também eram seres vivos e que era preciso que o cachorro aprendesse a lidar com a diversidade da vida.
Falavam bonito, diziam filtrar o sangue ruim, equilibrar a temperatura e até prometeram ensinar o cão a ser um animal melhor.
O cachorro, bom de coração, acreditou. Acomodou-se àquela presença incômoda, mas educada.
As pulgas se multiplicaram
De repente, as pulgas não eram mais apenas visitantes discretas, criaram movimentos sociais para expandir o seu espaço, falando de partes do cachorro que eram improdutivas e que não estavam cumprindo a “sua função social”.
Quando menos se esperava, tomaram o corpo inteiro. Colonizaram o dorso, as patas, o rabo e tudo mais. Fundaram ministérios entre as costelas, cobravam pedágio nas veias, (consideradas as áreas mais ricas do corpo do cão), montavam palanques na lombar, onde davam seus discursos inflamados.
Para garantir acesso especial, e até mesmo cobrar mais caro, ou mesmo fazer trocas com outras pulgas, que vinham de cachorros mais ricos, os líderes criaram reservas, supostamente para abrigar as primeiras pulgas fundadoras daquele corpo canino, “por coincidência”, justamente nas áreas onde as veias eram mais fartas e latentes.
Mas também havia um grupo mais radical, que dizia que o sangue do cachorro era um bem coletivo e precisava ser redistribuído entre as mais necessitadas. O cachorro, agora pálido e letárgico, já não conseguia correr, devido ao aumento da exploração da coleta de sangue exacerbada em seu corpo.
Mas sempre havia uma pulga muito articulada por perto, para explicar que aquilo era “transição”, “reparação histórica”, ou uma Nova Ordem Biológica “NOB”.
O dono, ao ver o bicho definhar, decidiu agir. Foi até o velho armário e pegou um frasco empoeirado de veneno contra pragas. Era forte (dizia a bula). Podia deixar o cão um pouco tonto, com febre, talvez sem apetite por uns dias. Mas salvaria sua vida com certeza.
Aplicação do remédio – então veio a revolta
As pulgas, organizadas em coletivos, entraram em desespero. Criaram um movimento chamado “Pulgas Pela Vida do Cão”.
Protestaram, fizeram transmissões ao vivo nas redes sociais da Rede Sarna e contrataram influenciadores e blogueiros.
Declararam que o verdadeiro agressor do cachorro era o dono, autoritário, extremista, higienista e tudo mais que rima com “ista” que elas conseguiam imaginar…
Preocupadas com a opinião dos cães vizinhos, que estavam apoiando o dono do cachorro que recebeu a aplicação de veneno, logo o departamento de marketing das pulgas criou uma campanha, chamando esses cães de “Anti-Cãoiotras”.
Disseram que nunca deixaram faltar sangue, que sempre “trabalharam duro”, e que o cachorro só estava mal porque o veneno o estava destruindo a vida e a saúde dele (e não porque elas o sugavam há meses, naturalmente).
Uma das pulgas mais antigas (fêmea), usando óculos e lenço vermelho, subiu em um alto-falante com um discurso inflamado e disse: “Sem nós, esse corpo já estaria morto! Somos nós que mantemos esse cão de pé! A culpa é do dono, que foi radical e anticientífico e um negacionista!”
E assim nasceu a revolução das pulgas
Elas passaram a escrever cartilhas para que seus militantes, que repetiam as mesmas palavras de ordem, criassem conselhos e comissões especiais para doutrinar os carrapatos e mosquitos, buscando colaboração dos mesmos.
Tomaram o controle das orelhas, censuraram latidos, queimaram a bula do remédio onde explicava que os efeitos colaterais eram apenas passageiros.
O cachorro, fraco demais para reagir, apenas observava. Tonto, coçando-se, sem entender como passou de dono do próprio corpo a refém de parasitas empoderados.
Mas cá entre nós, há um limite, sempre há…
Cachorros, mesmo os mais dóceis, mordem quando a dor supera a obediência, eles reagem e tentam combater o mal que os aflige.
E os donos, mesmo os mais pacientes, aprendem que, às vezes, salvar um animal exige mais que remédio: exige coragem de ignorar os gritos das pulgas para ouvir o silêncio do sofrimento de quem realmente importa.
“O cúmulo da cara de pau é quando a praga que adoece o corpo tenta se passar pelo médico que trará a solução. O verdadeiro amor não aplaude a praga, cura o cachorro.”
* Fabio L. Borges, jornalista e cronista gaúcho
No Ar: Pampa Na Tarde