Segunda-feira, 04 de Agosto de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 4 de agosto de 2025
A realidade social brasileira demonstra a nitidez de uma desvalorização do trabalho doméstico. As atividades domésticas, essenciais para o bem-estar da família e fundamentais para a educação dos filhos, costumam ser invisibilizadas, e não recebem o devido reconhecimento social, jurídico e econômico que representam.
Na maioria das vezes desempenhadas pelas mulheres, apontam para uma desigualdade histórica que considera o trabalho produtivo remunerado patriarcal como prioritário. A desigualdade de gênero impacta a vida profissional e pessoal das mulheres, uma vez que, mesmo tendo atividade remunerada, a grande maioria delas percebe um rendimento menor, na comparação.
Em recente decisão judicial por parte do Superior Tribunal de Justiça, constante no Resp nº 2.138.877 de Minas Gerais, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, é trazida uma nova tendência e demonstra que o trabalho doméstico não tem menos importância do que o trabalho remunerado para a vida da família e para atender aos interesses do casal. O Poder Judiciário, em análise, reconheceu a atual realidade, posicionando-se a favor daquela que abdicou de oportunidades de estudo e inserção no mercado de trabalho, dedicando-se também em benefício do marido.
A decisão trouxe uma compensação, fixando o valor da pensão alimentícia a ser paga pelo ex-marido, no patamar de 30% do salário-mínimo desde a data da separação. Outra decisão recente em favor do cônjuge mais vulnerável, vale destacar, é a do REsp 2.129.308, 4ª Turma do STJ, onde mantém a obrigação do ex-companheiro de pagar em parcela única à ex-companheira, a título de alimentos compensatórios, o valor de quatro milhões de reais após a separação. O argumento utilizado pela autora foi justamente sua dedicação exclusiva à família e, ainda, aos investimentos do marido.
Segundo Rolf Madaleno, a pensão compensatória não depende da prova da necessidade, estando dirigida a restabelecer o desequilíbrio econômico e, por isso, agrega um caráter claramente indenizatório, fundado em pauta objetiva para eliminar até onde for possível o desnível econômico que se estabelece em razão do divórcio do casal. Acrescenta que essa compensação não se propõe a igualar patrimônios e rendas, pois seu papel é o de tentar ressarcir o prejuízo causado pelo desequilíbrio econômico, compensando as perdas de oportunidades de produção só acenadas para um dos esposos.
A tendência à valorização do trabalho doméstico de um dos cônjuges, na maior parte desempenhado pelas mulheres, é válida, muito bem-vinda e fundamental. É através desse trabalho que a família é cuidada e a casa atendida. O alimento compensatório vem indenizar este cônjuge por sua dedicação parcial ou integral a este importante trabalho não remunerado e pela impossibilidade de investimento em seu crescimento profissional.
O divórcio é causa de recomposição de muitas famílias. Com o reconhecimento de novos arranjos familiares,[6] além daqueles tradicionais advindos do casamento, a interpretação do Direito das Famílias foi evoluindo a fim de se adaptar às novas configurações. As famílias modernas prezam pelo vínculo afetivo onde cada composição exige reconhecimento no ordenamento jurídico, trazendo consequências para o Direito das Sucessões.
A família, como base da sociedade, é protegida sem qualquer distinção em sua forma de constituição. Na direção da inexistência de hierarquia entre os laços familiares, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional o artigo 1.790 do Código Civil, que estabelecia direitos sucessórios desiguais entre cônjuges e companheiros, fixando a tese com repercussão geral igualando direitos idênticos para os casados formalmente e para os que mantêm união estável.
A união estável comprovada passou a adquirir os mesmos direitos sucessórios dos cônjuges, garantindo igualdade de tratamento. Objetivando a proteção patrimonial familiar, surge a proposta do Projeto de Lei nº 4 de 2025 que modifica o rol de herdeiros necessários, ainda em discussão para a reforma do Código Civil. A proposta exclui o cônjuge ou companheiro como herdeiro necessário, mas os inclui como herdeiros legítimos na terceira classe da ordem de vocação hereditária, após descendentes e ascendentes. A proteção do patrimônio segue, segundo a proposta, preferencialmente em linha reta. Ao autor da herança, é dada a possibilidade de incluir ou não seu cônjuge ou companheiro como herdeiro no seu testamento.
Dessa forma, a previsão é a de que haverá mais incentivo à realização de planejamento sucessório desde o contrato de casamento, contrato de união estável ou pacto antinupcial e à formalização de testamento. Se de um lado a proposta retira a proteção do cônjuge ou companheiro como herdeiro necessário na sucessão, por outro assegura alguns direitos e oferece mais autonomia ao autor da herança.
Segundo publicação do canal Direito Civil Brasileiro, a reforma do Código Civil não deixa a viúva desamparada. O estudo esclarece que “a proposta aumenta a lista de bens que farão parte do patrimônio comum dos casais, nas uniões no regime de comunhão parcial, incluindo salários, investimentos em previdência privada e quotas ou ações de empresas”. Acrescenta que o projeto inova ao prever uma compensação a ser fixada pelo juiz pelo trabalho na residência da família e os cuidados com os filhos. O advogado Flávio Tartuce afirma que essas mudanças ajudam a compensar a retirada dos cônjuges da lista daqueles que terão direito aos bens adquiridos pelo falecido antes do casamento.
Ampliando a visão sobre a exclusão dos cônjuges ou companheiros da lista de herdeiros necessários, a advogada Ana Luiza Nevares expõe um argumento diferenciado. Denomina “super cônjuge” àquele instituído no atual Código Civil e “mini cônjuge” ao previsto no projeto de reforma. Explica o Tema 809 da Repercussão Geral do STF, onde idênticos estatutos sucessórios foram reconhecidos para cônjuges e companheiros, como sendo esse o ponto de partida da reforma. Com o surgimento de famílias recompostas, múltiplos arranjos conjugais reconhecidos, vínculos perenes, além da situação da mulher que abdica da sua carreira em prol do cuidado com a família, a figura do “super cônjuge” tornou-se evidência. Em contrapartida, a alteração proposta cria a figura de um “mini cônjuge” sem direitos sucessórios salvo se inexistirem descendentes e ascendentes. Propõe que o cônjuge ou companheiro concorram na sucessão.
O trabalho doméstico e os cuidados com a família, notoriamente, são essenciais. A organização e harmonia dentro do lar trazem disposição e incentivo para todas as outras tarefas da vida cotidiana. A valorização e recompensa a esse trabalho se fazem necessárias. A proteção ao cônjuge ou companheiro, que dedica seu precioso tempo aos deveres da casa, deixando o seu crescimento profissional em segundo plano, precisa ser considerada. O falecimento de um familiar pode trazer uma perda no padrão de vida da família, especialmente àquele que detinha dependência financeira.
A evolução das leis relativas à sucessão dos cônjuges e companheiros trouxe mudanças ao longo do tempo, diante do novo e mais abrangente conceito de família. No Código Civil de 1916, o cônjuge ocupava o terceiro lugar na ordem de vocação hereditária e podia, inclusive, ser afastado da sucessão. Com o Código Civil de 2002, passou a ser considerado herdeiro necessário.
O tema relativo à sucessão dos cônjuges e companheiros continua sendo desafiador. Resoluções justas às diversas composições familiares é uma complexa equação.
* Isolda Berwanger Bohrer, associada do IARGS, formada em Administração de Empresas e Direito, com pós-graduação na área de Relações Internacionais e Comércio do Exterior
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