Quinta-feira, 13 de Novembro de 2025

Home Colunistas Ailton Krenak e José Lutzenberger: dois mundos que se encontram

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A crítica de Ailton Krenak à COP30 não é apenas uma provocação. É um chamado profundo à reflexão sobre as escolhas que fizemos como civilização. Quando ele diz que a conferência corre o risco de se tornar um “balcão de negócios” onde se serve “café com petróleo”, não está atacando o evento em si, mas denunciando a lógica sistêmica que o sustenta — uma engrenagem que transforma a Terra em ativo financeiro e a vida em recurso negociável.

Essa crítica me atingiu com força. Vim a Belém com o propósito de ajudar a acelerar a transição energética. Dediquei tempo, estudo e esforço para estar aqui. E, como conhecedor do pensamento de Krenak — um dos mais importantes pensadores brasileiros —, senti o impacto de suas palavras. Mais ainda porque vim também homenagear José Lutzenberger, ambientalista que foi amigo de Krenak e cuja memória ecoa em cada conversa que tenho aqui. Pergunto sempre: “Você conhece José Lutzenberger? Sabe a importância dele para a consciência ambiental brasileira?”

Lutzenberger era engenheiro agrônomo, ocupou altos cargos numa multinacional química, conhecia o sistema por dentro. Mas escolheu combatê-lo com ciência, filosofia e pragmatismo. Foi um dos principais divulgadores da Teoria de Gaia, proposta por James Lovelock, que vê o planeta como um organismo vivo, autorregulável, onde cada ser e elemento contribui para o equilíbrio do todo. Para Lutzenberger, a questão ambiental não era apenas ética — era sistêmica, organizada, científica.

O pragmatismo, marca registrada de Lutzenberger, consiste em agir com base em resultados concretos, sem perder de vista os princípios. Ele fundou a AGAPAN, promoveu a agricultura ecológica, combateu agrotóxicos e criou o Rincão Gaia, um santuário ecológico em Pantano Grande, RS. Lá, aplicava tecnologias regenerativas e promovia educação ambiental com base em ciência e sensibilidade.

Krenak, por outro lado, propõe uma ruptura mais radical. Para ele, não basta reformar — é preciso reencantar. Sua filosofia é espiritual, poética, ancestral. Ele nos convida a desacelerar, a escutar o invisível, a reconhecer que “não somos um recurso, somos pessoas”. Sua crítica à COP30 é um alerta: não podemos salvar o planeta com os mesmos instrumentos que o destruíram.

Mas esses dois caminhos se encontram. Krenak visitou o Rincão Gaia e, ao contemplar o reflexo das estrelas nas águas cristalinas de um lago, pediu que ele fosse chamado de Lago das Estrelas. Foi um momento mágico entre o cientista ativista e o líder indígena — um encontro entre razão e encantamento, entre Gaia e o cosmos.

A mensagem de Krenak deve ser ouvida como uma reflexão sobre as escolhas que fizemos. Não é um veto à transição energética, mas um convite à transformação profunda. Lutzenberger acreditava que era possível mudar o sistema por dentro. Krenak nos lembra que talvez seja preciso mudar o próprio modo de existir.

Entre o pragmatismo de Lutzenberger e o encantamento de Krenak, há uma ponte. Uma ponte que passa por Belém, pela COP30, por cada conversa que temos, por cada pergunta que fazemos. Que essa ponte nos leve não apenas a adiar o fim do mundo, mas a reinventar o modo como vivemos nele.

* Renato Zimmermann, desenvolvedor de negócios sustentáveis e ativista da transição energética

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