Quarta-feira, 29 de Outubro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 29 de outubro de 2025
Outro dia, meu velho amigo e companheiro de farda, o Venzon, perguntou-me, com aquele olhar curioso de quem carrega o brilho dos livros na alma: – Castilhos, não vais escrever nada sobre o hábito de ler livros físicos?
Foi o suficiente para reacender uma chama antiga. Afinal, o Venzon – filho de professora e promotor de justiça apaixonado pelas letras – sempre foi desses leitores inveterados que leem com o coração antes dos olhos. E, pela amizade e consideração que temos desde os tempos de quartel, resolvi atender ao seu chamado.
Lembrei-me, então, do dia em que, após o falecimento de meu pai – artista, pintor e escritor, ele me ajudou a selecionar o vasto acervo que o velho deixara. Entre poeira, lembranças e palavras, revisitamos uma vida inteira de sabedoria impressa em papel. Ali, no silêncio das estantes, percebi que livros são como heranças da alma: não morrem – apenas mudam de mãos.
E é justamente nesse 29 de outubro, Dia Nacional do Livro, que vale refletir sobre o quanto estamos nos distanciando desse hábito quase sagrado. A data foi instituída pela Lei nº 5.191/1966, em homenagem à fundação da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, em 1810, quando a família real portuguesa aportou trazendo consigo cerca de 60 mil volumes da antiga biblioteca real. Desde então, cada exemplar publicado em solo brasileiro carrega um pouco desse sopro de história e resistência.
Mas, convenhamos: hoje, quantos ainda se permitem o prazer de folhear um livro? Quantos sentem o perfume da tinta, o leve ruído das páginas sendo viradas, o peso gostoso de uma capa que guarda mundos?
O livro físico é um companheiro discreto – desses que não piscam, não vibram, não apitam. Espera, pacientemente, que o abramos para nos contar um segredo.
Enquanto isso, o mundo lá fora se distrai com telas luminosas e frases rápidas, como se a vida coubesse em cem caracteres.
De 31 de outubro a 16 de novembro, a 71ª Feira do Livro de Porto Alegre voltará a ocupar a Praça da Alfândega, transformando o coração da cidade em um imenso jardim de histórias. É um convite ao reencontro com esse objeto mágico que moldou gerações, educou consciências e alimentou sonhos.
Em tempos em que tudo se quer instantâneo, o livro físico é um gesto de resistência. É o café coado no bule de ferro, o chimarrão sorvido ao entardecer, o pôr do sol sem filtro – simples, mas cheio de verdade.
O preço médio de um livro no Brasil hoje gira em torno de R$ 53,25, e, segundo pesquisas recentes, menos de 20% dos adultos brasileiros compram livros regularmente. Muitos alegam o custo. Contudo, não hesitam em pagar o mesmo por uma taça de vinho ou uma rodada de cerveja. Fica a pergunta: será mesmo o preço o obstáculo ou perdemos o hábito de investir no espírito?
Durante a pandemia, lemos mais – talvez pela solidão, talvez pela necessidade de abrigo interior. Mas, passados os tempos de clausura, os números voltaram a cair. A pressa e as redes sociais parecem ter sequestrado nossa atenção. Os jovens, especialmente, trocam livros por telas, romances por vídeos, sabedoria por algoritmos.
E o que será de um mundo em que máquinas aprendem mais do que mentes humanas?
Quem guiará as próximas gerações se as histórias não forem mais contadas?
Eu, de minha parte, continuo fiel ao ritual. Prefiro o livro que se abre como um portal e me acolhe como um velho amigo. Gosto de ler devagar, com o chimarrão fumegando ao lado, à sombra de uma árvore que balança leve ao vento — talvez a mesma que já ouviu as histórias de meu pai e os conselhos do Venzon.
Porque ler é isso: um encontro entre almas.
E os livros físicos, ah, esses não envelhecem – apenas esperam que alguém os desperte.
Neste Dia Nacional do Livro, e às vésperas da Feira do Livro de Porto Alegre, deixo aqui um convite do coração: abra um livro, feche um pouco as telas e permita-se viajar sem sair do lugar. Afinal, quem lê não caminha sozinho – caminha acompanhado de todos os autores que um dia sonharam mudar o mundo com palavras.

(Alexandre Teixeira G. de Castilhos Rodrigues, advogado e escritor – castilhosadv@gmail.com – @castilhosadv)
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