Sexta-feira, 06 de Junho de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 4 de junho de 2025
A segunda rodada de negociações entre Rússia e Ucrânia em Istambul não produziu avanços. Durou menos de duas horas e foi marcada mais por silêncio do que por sinais de convergência. Os dois lados entregaram memorandos: a Ucrânia, propondo cessar-fogo e garantias de integridade territorial; a Rússia, exigindo que Kiev abandone a Otan, deixe regiões ocupadas e aceite um estatuto de subordinação – em outras palavras: rendição. Nada disso surpreende.
O que surpreendeu foi a ofensiva clandestina lançada por Kiev poucas horas antes. A operação Teia de Aranha atingiu quatro bases aéreas em território russo, danificando ou destruindo mais de 40 aeronaves, incluindo aviões A-50 e bombardeiros Tupolev, essenciais à doutrina russa de dissuasão e à sua campanha de mísseis contra cidades ucranianas. O impacto foi tanto simbólico quanto militar.
Foi a mais devastadora ofensiva ucraniana contra ativos estratégicos russos desde o início da guerra. Algumas das aeronaves atingidas são raras, caras e, em muitos casos, insubstituíveis, em razão da obsolescência da cadeia de produção militar russa. A Ucrânia, com recursos limitados, aplicou um golpe assimétrico: usou drones comerciais adaptados, ocultos em caminhões dentro do território russo, com comando remoto. O planejamento levou 18 meses.
Mais que um feito técnico, trata-se de um marco psicológico, que desmente a propaganda do Kremlin segundo a qual a vitória russa é inexorável, expõe falhas gritantes na segurança interna russa e revela que Moscou não consegue proteger sequer seus vetores nucleares. Internamente, o episódio provocou fúria entre os ultranacionalistas russos e mais uma rodada de recriminações entre chefes militares. Externamente, força aliados e analistas a revisarem suas premissas.
A Ucrânia não é uma peça passiva no xadrez da guerra. Mostrou engenhosidade, capacidade de penetração e inteligência operacional dignas das principais potências. Mostrou, sobretudo, que ainda sabe jogar – e com audácia. O contraste com a retórica teatral da Casa Branca é gritante. O presidente dos EUA, Donald Trump, que alterna ameaças e afagos a Putin, prometeu acabar com a guerra em “24 horas”, mas sua diplomacia oscila entre a condescendência e a ilusão, funcionando na prática como uma cortina de fumaça que abre espaço para manobras dilatórias do Kremlin e encoraja a aposta de Putin na fadiga do Ocidente para impor sua versão de paz sob ocupação.
A resposta americana à ofensiva ucraniana ainda é incerta. O Congresso, por iniciativa bipartidária, prepara sanções secundárias contra países que financiam o esforço de guerra russo via compra de petróleo. Iniciativa meritória, que precisa avançar – com ou sem a bênção presidencial. Mas não basta. As defesas aéreas da Ucrânia enfrentam esgotamento crítico, como ficou claro no ataque russo com 472 drones na véspera da operação Teia de Aranha. A reconstrução de sua capacidade antiaérea e a manutenção do fluxo de armamentos devem ser prioridades para qualquer potência que leve a sério a estabilidade europeia.
É compreensível que a Ucrânia aceite participar de rodadas de negociação – mesmo com a má-fé de seus interlocutores e sem expectativas de êxito. Isso a posiciona como parte da solução e ajuda a isolar o agressor. Mas não se deve confundir disposição ao diálogo com resignação. A diplomacia, para ser eficaz, precisa caminhar ao lado da dissuasão e ser sustentada por uma posição de força. A operação ucraniana mostrou que há fôlego para resistência e criatividade – e que Putin não detém o monopólio da iniciativa.
Se o Ocidente quiser preservar a ordem internacional baseada em regras e evitar que a chantagem militar se normalize como instrumento de política externa, precisa bancar a Ucrânia. Isso significa apoio militar sustentado, financiamento da reconstrução e coerência estratégica. O erro seria recair na armadilha da moderação ilusória, confundindo realismo com apaziguamento.
A Ucrânia provou que não está derrotada. A pergunta que se impõe é se o Ocidente está disposto a provar que não está rendido.
(Opinião/Agência Estado)
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