Domingo, 28 de Dezembro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 28 de dezembro de 2025
Em “Por que a esquerda morreu?”, recém-lançado pela Editora Civilização Brasileira, o sociólogo Jessé Souza, professor da Universidade Federal do ABC e autor de “O pobre de direita” e “A elite do atraso”, faz uma autópsia do campo progressista no Brasil.
No subtítulo da obra — “o que devemos fazer para ressuscitá-la” –, ele oferece sugestões para a reinvenção da esquerda, de olho tanto nas eleições de 2026 quanto em um futuro próximo, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estiver fora das urnas. Em entrevista, ele avalia que um discurso voltado para justiça tributária e soberania nacional é uma possível fórmula para a reinvenção desse campo.
Leia a seguir trechos da entrevista:
Você conta que escreveu o livro “desesperado”. Por quê?
Escrevi em total desespero, ao ver a maioria humilhada da população ainda comprando a narrativa da extrema direita. E na esquerda não há sequer a tentativa de se construir um imaginário social alternativo. O cenário após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva(PT) é de terra arrasada. A esquerda só será forte se elaborar uma narrativa que dê protagonismo aos explorados. Se tiver a ambição de pensar um país formado por cidadãos, e não pós-escravos comandados pelo projeto da elite paulista, que enfrenta a realidade do sufrágio universal. Sozinha, essa elite não elege nem um senador. Aplicou, com sucesso, estratégias para manipular o desejo dos pobres, que esmiucei em “O pobre de direita”. Agora busco entender por que a esquerda deixou de disputar este estrato, qual foi sua estupidez.
E qual foi?
O PT se conformou em ser o plano B da elite paulista, um docinho que se dá aos pobres para garantir a ordem social mínima. A elite paulista, a que de fato importa, tem projeto de poder americanizado, com defesa do empreendedorismo. Desde que conte com subsídios e vantagens públicas, pois enxerga o Estado como negócio. Dona simbólica do poder, controla a propagação das ideias e namora interesses de ocasião, dos Bolsonaro a Pablo Marçal até o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Se apresenta como a mais preparada para o voto. À maioria “ignorante” cabe seguir o comando, crença repetida de cima para baixo até o piso social. E a nata da elite intelectual bebeu do veneno ao definir o PT como sigla da defesa da ética na política. Deu no que deu.
De que modo?
A elite paulista apresenta a corrupção, sempre a dos outros, e não a escravidão, como mal original do país. Após seguidos anos de governos petistas, a defesa da moralidade para os outros se tornou base para a conquista dos pobres de direita. E o PT caiu na armadilha. Não vai ser com memes engraçadinhos que reverterá a situação desesperadora.
Pesquisas apontam o presidente Lula (PT) à frente em 2026. Não é precoce fazer a autópsia da esquerda?
A luminosidade do Lula, demonstrada uma vez mais na reação ao tarifaço, mascara a precariedade da esquerda. Ao sublinhar a realidade nada empoeirada do imperialismo, com as terras raras e os interesses das big techs, Donald Trump ofereceu uma oportunidade para a esquerda brasileira ressuscitar. Lula colabora na esfera do pertencimento simbólico, é o pobre no Poder. Mas tudo isso, paradoxalmente, nubla a fragilidade da esquerda, como se vê nas discussões de bares e no resultado das urnas no Congresso e nos governos estaduais em 2022. A esquerda vai para 2026 sem direção. Para além do Lula, não sabe quem é. Não disputa as ideias.
A nomeação do deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP) para o ministério levou, como disse Lula, o governo às ruas?
Sim, mas não resolveu o vazio na disputa de visões de identidade nacional. O governo entra 2026 atento ao cotidiano e a seus temas urgentes— segurança pública, programas de renda, impostos— mas vazio nas ideias, dominadas pelo outro flanco. A esquerda precisa contar às pessoas, como fez a direita, uma história de país.