Sexta-feira, 22 de Agosto de 2025

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Sob o título “O Que As Mulheres Querem”, a psicanalista Betty Milan escreveu em Veja, faz muito tempo: “Há uma verdade que não é datada sobre o desejo feminino: ele é tão indissociável da liberdade quanto o masculino”. Sustenta que só há entendimento numa relação “quando o fato de um ser livre é decisivo para o outro”. Neste caso, e só nele, existe a “afinidade sentimental verdadeira”.

Acrescento: só há sentido em alguém permanecer com alguém se perdurar gosto. Nas coisas do querer, promessa não se sustenta por obrigação. Vale a atenção ao desejo, ao próprio e ao do par. Vivendo-se em liberdade, obediente apenas à atração, está-se fazendo opção de vida, não apenas cumprindo hábitos. Não creio, porém, que a maioria esteja de acordo com o pensamento de Betty e meu.

Milan conclui afirmando que a fala amorosa que deveria unir um casal é: “Vá em frente, não tenha medo, faça o que você quiser”. Não acredito que se pratique isso por aí. Minhas observações pessoais e alguma leitura permitem-me dizer que poucas pessoas alcançam tal condição de independência existencial; a grande maioria dos casais continua com rigorosa e emocionada fiscalização recíproca.

Na verdade, parece-me que, além de limites muito explícitos – traçados por um em relação ao comportamento do outro –, há desconfiança, declarada ou não, sempre muito presente. Talvez assim seja porque haja um sofrimento que habita a mente dos amantes, causado pela suspeita doentia que uma parte tem do que a outra poderia estar fazendo ou até pensando: “Vai que do pensamento pula para o ato!”.

O “charme” do ciúme, a impaciente possessividade, a padecente insegurança, serão equívoco, tenham lá o nome que se lhe deem. Sendo problema, que se o resolva dando conta de si, com remédio, com analista… Não é adequado lançar transtornos sobre a pessoa “amada”. Ela, por algum tempo, suportará o fardo, enganando-se que é sinal bem-querença, mas logo dará um basta, se tiver estima própria.

Seja de gênero proceda, o exercício de sistemas repressivos é desrespeitoso em si. O objeto do meu desejo não é meu, não é, – ou não deveria ser – subordinável a um sistema de controle. O ciúme foi ideologicamente glamourizado como a chama do amor, mas, na verdade, é a queima da relação. Esse amor arrevesado é a causa dos tantos homicídios passionais no Brasil, principalmente dos feminicídios.

Sentimentos dolorosos, mesquinhos, exacerbados não me parecem prestáveis para alimentar uma boa relação. Ademais, não garantem resultado. Duvido que no mundo de hoje, em que pessoas dos variados gêneros circulam pelas ruas, trabalham fora de casa, viajam, têm telefones, redes sociais, dirigem, precatam-se com senhas, e o que mais a imaginação conceba e realize, possa haver controle eficiente.

Os casais distanciam-se por horas em cada dia, e é em minutos que os piores pesadelos do vigilante ciumento podem virar realidade. Alguém saiu com alguém que não era o alguém controlador. “Ficou” com esse outro alguém. O padecente das perturbações do amor intranquilo vê todo o seu sôfrego zelo desvanecer-se. É assim mesmo, as coisas da paixão são fugidias, insubordináveis à inspeção.

A mim, me parece que a única fórmula capaz de manter o laço amoroso se avia com sedução. Manter a atração, cativar a pessoa ao lado, mais ainda se for uma antiga companhia, é muito mais provável pelo feitiço das palavras amorosas, pelo encantamento dos gestos carinhosos do que por uma controladoria sentimental, rompida a qualquer custo por alguma fascinação que atice o gosto lá fora.

“Sem tesão, não há solução” (Roberto Freire). Quem não se safaria doa ranzinza ao lado, não trocaria a importunação permanente por uma conversa inteligente, um tratamento meigo, um galanteio sincero, um cochicho suave, uma vela num canto, uma música distante, uma taça de vinho, uma mão insinuante que sabe o que faz? Não te percas no tempo. Vai logo, com as minhas melhores recomendações.

* Léo Rosa de Andrade, escritor, professor, psicanalista e jornalista

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