Segunda-feira, 13 de Maio de 2024

Home Colunistas Brigando a socos e pontapés… com bugios

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Entre os anos 1959 e 1962 eu era Oficial de Gabinete (espécie de Secretário particular) do então Deputado Federal Alberto Hoffmann que era Secretário da Agricultura do Estado. Conheci lá no Gabinete uma das melhores pessoas que já cruzaram pela minha vida e a quem muito estimei e admirei. O Sr. Henrique Luiz Röessler que foi o primeiro Protetor da Natureza, Biólogo e Ecologista do Brasil. (Hoje ele é lembrado com seu nome na FEPAM – (Fundação Henrique Luiz Röesller de Proteção Ambiental) Ele chefiava o Serviço de Fiscalização da Caça e Pesca do RS. Nos tornamos amigos e passou a me convidar para acompanhá-lo nos fins de semana, pelo interior do Estado, para “caçar caçadores irregulares”, ou por que matavam acima da quota ao por que não tinham licença de caça ou ainda por que matavam animais protegidos. Acho que foi próximo a uma centena de fins de semana que saímos junto fiscalizando esse Serviço. Fui oficial e legalmente nomeado “Fiscal do Serviço de Caça e Pesca”. Fomos grandes e fiéis amigos. Eu tinha 21 anos e acho que ele já passava dos 45. Ele morava em São Leopoldo e era o fiel guardião dos Rio dos Sinos. Hoje lá tem um belo e merecido monumento em sua homenagem.

Ao longo da vida fiquei sabendo que o bugio (aquele macaco muito comum no RS) é um esperto “negociador”. Se ele se sente ameaçado pelo homem, com uma espingarda ou um porrete, ele ‘chora’ que nem gente, tapa os olhos, se encolhe todo e se lamenta. Já a fêmea ergue o filhote virado para a gente e mostra, chorando. Você não faz nada e é até capaz de chorar junto. Mas se ele se sente ‘dono da situação’, ele grita, ameaça e pode fazer coco na mão e, com pontaria de sniper, joga na tua cara (minha ‘nona’ recebeu um presente desses, lá no Faxinal). Mas se ele se sente ‘valente’ junto com seu grupo, ele pode te atacar ferozmente e te dá mordidas e fortes arranhões que podem te matar.

Pois certa feita, não muito longe de Vacaria, no interior, longe da faixa BR116, o “seu” Röessler e eu, ao entardecer de um sábado, depois de fiscalizarmos muitos caçadores (era temporada e Sr. Röessler era inflexível perante a Lei) acampamos junto a um matinho ciliar que margeava um arroio. Estávamos cansados e com fome. Não se ganhava diárias nem ajuda de custas e, fora a gasolina da viatura, o resto era por nossa conta. Nada de hotel ou benesses. O acampar quer dizer: estendia-se sobre um galho horizontal, uma lona de caminhão velha mas ainda sem furos e, como abrigo, era tudo – não tinha porta nem janelas – na verdade eram duas portas sem portas – aberta na frente e nos fundos. Dois pelegos no chão, serviam de cama e um bacheirão de lã trançada servia de coberta. Uma caixa sem tampa tinha o café, o sal, o açúcar, a chaleira, uma panela, uma lata com arroz e um pedaço de charque. No final da tarde, estivesse onde estivesse, comprávamos num bolicho, pão para a janta e o café da manhã, e uma volta de salame ou linguiça defumada.

Montado o acampamento, apanhava-se água na sanga, fazia-se um fogo de chão, e na água fervendo se punha o pó do café e, passados uns minutos, jogava-se dentro da chaleira duas ou três ‘pedras’ de carvão em brasa do nosso fogo e pronto. Café, açúcar, pão e linguiça e estava feito o jantar. O almoço era um carreteiro ou o famoso “arroz de puta” – arroz com linguiça.

Pois nesse fim de dia, o ritual foi o mesmo de sempre e terminado o jantar, cansados, deitamos e logo dormimos – pois que além do mais, 5 e meia já tínhamos que nos aprontar e sair. Caçador levanta cedo.

Vai então que nessa noite, no meio da madrugada – por volta das 3 – desaba uma enorme chuvarada com raios e trovões e de repente, na escuridão da noite um bando de bugios invadem nossa barraca numa enorme gritaria e começa então uma verdadeira batalha campal – dois homens e uns 8 ou 10 bugios – talvez fossem só 5 ou 6 – no escuro não se via, só se ouvia – abaixo de pontapés, socos, gritaria e coberta e pelego voando pra todo lado, até que o ‘seu’ Röessler pega o revólver e dá 3 tiros pro ar. Foi um ‘santo remédio’ e um argumento muito forte e convincente para pedir paz. Ou se não foi paz serviu para os bugios se retirarem às pressas do campo de batalha. O bom é que não levamos nenhuma mordida – arranhões sim (nada que um merthiolate ardido não curasse) – e sobrou uma esculhambação desanimadora no nosso acampamento. Acabamos não dormindo mais e depois de lavarmos nossos ‘ferimentos’ e de arrumarmos tudo, fomos fazer nosso café, rindo muito do acontecido… mas meio nervosos… e à luz de lampião ali ficamos.

E ao Sol nascer, fomos fazer nosso trabalho. Para impor um pouco uma imagem de respeito e autoridade o seu Röesller sempre requisitava na cidade próxima, um brigadiano fardado para ficar junto conosco na estrada. Naquele dia, pelo fim da tarde, parei um jipe candango e ao inspecionar vi (e prendi) um caçador portando uma metralhadora Thompson Machine americana da 2ª guerra. Minha nossa!… não acreditava no que via. Era um domingo, meados de julho de 1960.

Quando o Sr. Röesller morreu em 1963, eu senti muito deveras. Mandei uma comovente carta ao Prefeito de São Leopoldo sugerindo que um monumento lhe fosse construído. E foi.

(Luiz Carlos Sanfelice)

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