Domingo, 19 de Outubro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 31 de agosto de 2025
Desde a Roma Antiga, o testamento é o principal e mais conhecido instrumento para representar a vontade de quem morreu e, claro, para definir o destino de uma herança — seja ela em dinheiro líquido ou em bens como imóveis, veículos ou participações em empresas.
No Brasil, porém, essa forma de planejamento sucessório ainda é relativamente pouco utilizada, em comparação com outros países, como os Estados Unidos. Tabu com a morte, baixa renda, burocracia e limitações impostas pelas regras atuais são alguns empecilhos que afastam os brasileiros de fazer um testamento em vida.
No entanto, a proposta do novo Código Civil, em discussão no Congresso Nacional, prevê a flexibilização do instrumento — como a proposta de retirada de cônjuges e companheiros do rol de herdeiros necessários em heranças. Assim, viúvos e viúvas teriam que ser explicitamente indicados no testamento para receber, junto com filhos e netos, o patrimônio deixado pelo falecido.
Além disso, o projeto pode criar a possibilidade de reserva de parte dos bens a um herdeiro considerado vulnerável. Por outro lado, pode facilitar também a retirada de um herdeiro do testamento em caso de abandono ou ofensa física ou psicólogica, por exemplo.
Para advogados e especialistas em direito patrimonial, essas mudanças podem tornar o testamento ainda mais necessário para o planejamento sucessório dos brasileiros. No entanto, inclusive nas regras atuais, o documento é quase sempre recomendável para evitar desentendimentos familiares e dificuldades burocráticas que podem transformar a passagem do patrimônio de um falecido num processo lento, que pode durar vários anos.
Entre 2007 e setembro de 2024, foram registrados pouco mais de 527 mil testamentos públicos em todo o Brasil, segundo a Anoreg/BR (Associação dos Notários e Registradores do Brasil).
De acordo com Eduardo Tomasevicius Filho, professor do Departamento de Direito Civil da Universidade de São Paulo esses dados refletem, em parte, o próprio perfil de renda da população brasileira.
Se há 18 anos eram apresentados em cartório cerca de 20 mil testamentos por ano, atualmente essa estatística já se aproxima dos 40 mil, de acordo com dados da Anoreg/BR. Agora, a discussão do novo Código Civil pode aproximar ainda mais o assunto da população.
O Código Civil é um conjunto de leis que regula as relações privadas entre pessoas físicas e jurídicas, abrangendo direitos e deveres em diversas áreas como família, propriedade, contratos e sucessões.
O PL (projeto de lei) 4/2025, que atualiza o Código vigente, é de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e foi protocolado em 31 de janeiro. Ainda não foram definidas as comissões pelas quais deverá tramitar. A proposta teve origem em um anteprojeto discutido por juristas e presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão, do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O texto substitui o Código Civil de 2002, alterando cerca de 900 pontos e incluindo outros 300. As mudanças abarcam também outros assuntos além dos testamentos, como o reconhecimento em lei da união homoafetiva — acatada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 2011.
Devido às várias mudanças no Código Civil propostas, o projeto de lei deve enfrentar resistência. Em abril, um manifesto assinado por 17 entidades jurídicas, entre elas o IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo) e mais dez Estados pediu “ampla participação da sociedade civil, da comunidade jurídica, das entidades representativas e da academia” nas discussões.
Novos tipos de testamento
A lei brasileira ainda mantém outros tipos de testamento que são, no mínimo, curiosos: o aeronáutico, o marítimo e o de guerra. Nos dois primeiros, um passageiro de um avião ou de um navio pode chamar o comandante e lavrar um documento com seus últimos desejos para o caso de morrer durante a viagem.
Já o testamento de guerra é uma figura antiga, oferecida a membros das Forças Armadas que saem em combate. Na nova proposta do Código Civil, essas modalidades serão extintas e substituídas por um testamento emergencial, que vale por 90 dias e não precisa de testemunhas.
Outra possibilidade prevista é um testamento conjuntivo, que pode ser feito pelos cônjuges em casos em que cada um tem patrimônio individual. Com esse instrumento, eles podem, em documentos separados, deixar suas respectivas partes disponíveis da herança de um para o outro, de forma recíproca.
Ele também funciona para casamentos e uniões sob o regime de separação total de bens, desde que cada um destine, no testamento, apenas o que é efetivamente seu. Atualmente, essa modalidade é vedada pelo Código Civil.
Outra proposta de mudança no Código Civil possibilitará ao testador reservar 25% dos bens da parte destinada aos legítimos para um herdeiro considerado hipossuficiente e vulnerável. É uma flexibilização da regra, pois acrescenta, nesses casos, um quarto da metade “engessada” dos bens à herança.