Quinta-feira, 03 de Julho de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 2 de junho de 2024
A PEC das Praias — que prevê a transferência da posse dos terrenos de marinha (faixa de 33 metros de terra a partir do mar) da União para Estados, municípios e ocupantes privados — pode estimular o uso irregular desses espaços e ampliar danos ambientais já presentes, defende a bióloga Marinez Scherer, do Ministério do Meio Ambiente.
1) Qual o impacto dessa PEC para as praias?
Hoje, já existe a tendência de ocupação nessa área de interface mar e terra. E a PEC pode aumentar isso ainda mais. Ao ocupar essas áreas, a gente, muitas vezes, perde dunas, manguezais e acaba tendo uma interferência no ambiente dinâmico da praia. Por isso, não deveríamos estar ocupando essas áreas. Muito tem sido dito que as populações de baixa renda e de comunidades tradicionais iriam se beneficiar. Mas não precisamos de uma PEC para isso. Já existem instrumentos dentro da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) que permitem essas pessoas ocuparem essas áreas gratuitamente de forma regular. Se a SPU tem demorado para fazer a regularização, é outra história. É uma falácia dizer que precisa de uma PEC para isso.
2) Os defensores da tese afirmam que as leis ambientais não seriam alteradas.
Verdade. Não foram mesmo, nem serão. Mas, infelizmente, muitas delas não são cumpridas. Há muita ocupação em áreas de proteção permanente. Essa PEC acaba, por exemplo, com a faixa de segurança — uma área de 30 metros que não deve ser ocupada e que já não é levada em consideração hoje em dia. O que a gente deveria estar fazendo era, na verdade, regulando a não-ocupação. Mas estamos fazendo ao contrário, criando incentivos à ocupação.
3) Há risco de que o controle privado dessas áreas impeça o acesso à praia?
A lei brasileira define que as praias são de acesso livre e franco em qualquer sentido e direção. Ela também define que os espaços já ocupados por loteamentos privados devem definir áreas de passagens. Mas não diz de quanto em quanto metros é preciso garantir esse acesso. Existe essa legislação, mas infelizmente não é o que a gente vê em áreas como ocupação, por exemplo, de resorts, em que há longas áreas sem acesso à praia. A história nos condena. Esse é o problema. A PEC tira uma camada de proteção e monitoramento que seria feito pela União e deveria ser feito de forma muito melhor.
4) Qual o impacto ambiental dessa PEC?
O maior aumento de ocupação dessas áreas, que pode acontecer com a aprovação dessa PEC, leva à perda da capacidade da praia de se regenerar. Ou seja, podemos perder praias, o que vai levar a processos de aterros hidráulicos, o que tem sido chamado de engordamento de praias, e perder ecossistemas muito importantes na absorção de carbono, um serviço ambiental das áreas costeiras no combate às mudanças do clima, e de toda biodiversidade que existe ali.
5) As prefeituras cuidariam melhor dessa área do que a União?
Seriam, esse é o verbo, seriam ou poderiam ser muito mais bem cuidadas pelas prefeituras se realmente houvesse um compromisso delas de zelar por essas áreas, pela não-ocupação delas, por uma questão das mudanças do clima, de saúde ambiental das praias e de acesso a elas. Nesse sentido, não me parece que as prefeituras estejam com a intenção de restringir esse uso na beira da praia. Me parece um contrassenso destinar esses terrenos a privados e dizer que não pode ocupar. A gente tem muito pouco de planejamento urbano que leve em consideração essa interface terra-mar. O que se vê, na verdade, são os municípios costeiros sendo planejados como se estivessem no interior. Quando isso não é ideal.
6) A PEC representa risco à defesa nacional?
Com ela, você perde a gestão pública de uma área de fronteira. Com isso, apesar de não estarmos em tempo de guerra, o Brasil perde a capacidade do Estado de fazer o planejamento dessas áreas vulneráveis, tanto do ponto de vista ambiental, quanto do ponto de vista da defesa nacional. No mundo inteiro, os países que não têm essas áreas estão buscando alguma maneira, desapropriando ou comprando terrenos, e os que têm estão deixando áreas muito maiores do que os 33 metros que estamos falando. Temos uma mínima área que estamos querendo doar ou vender. E, do meu ponto de vista, não importa o preço que estão querendo pagar, não vale o preço de perder áreas da União, que são de todos.
7) Alguma mudança na PEC pode deixá-la melhor?
Não. Ela não deve ser aprovada. Mas, olhando pelo lado positivo, a PEC está sendo importante para trazer a discussão do que fazer para que esses terrenos cumpram sua função ambiental de proteção.
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