Segunda-feira, 24 de Novembro de 2025

Home Colunistas COP30 e o dilema brasileiro: a Amazônia entre moeda diplomática e patrimônio coletivo

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A COP30, realizada em Belém, foi anunciada como o momento em que o Brasil assumiria o protagonismo climático mundial. A escolha da Amazônia como palco não foi apenas estratégica, mas simbólica: colocar a maior floresta tropical do planeta no centro das negociações era reafirmar que o futuro da humanidade depende de sua preservação. Contudo, o desfecho da conferência revelou um dilema profundo: até que ponto é ético transformar a floresta em “moeda diplomática” para barganhar acordos internacionais?

O Brasil saiu da COP30 com uma imagem ambígua. De um lado, conseguiu projetar a Amazônia como símbolo global e reforçar sua narrativa de potência ambiental. De outro, viu seus parceiros do BRICS — China, Índia e Rússia — bloquearem qualquer menção explícita à eliminação gradual dos combustíveis fósseis. O país, que buscava liderar, acabou isolado. Essa postura dos aliados expôs o que muitos chamam de pragmatismo político: cada nação cuidou de seus próprios interesses energéticos, deixando o Brasil em posição desconfortável.

Mas há uma dimensão filosófica e ética que não pode ser ignorada. Usar a floresta como moeda de troca implica reduzir um patrimônio coletivo da humanidade a instrumento de negociação. A sociedade civil, presente em Belém, deixou claro seu descontentamento. Povos indígenas, movimentos sociais e organizações ambientais lembraram que a COP30 nos ensinou sobre saberes tradicionais, mutirão, coletividade e pluralidade. A floresta não é apenas recurso econômico; é território vivo, cultura, espiritualidade e memória. Transformá-la em ficha diplomática é desconsiderar essa pluralidade.

O impasse sobre os fósseis foi apenas um dos eixos da COP30. No financiamento climático, países em desenvolvimento exigiram mais recursos dos ricos, mas sem resultados concretos. Na proteção das florestas, houve avanços retóricos, mas poucos mecanismos práticos. Na justiça social, o debate sobre transição justa ficou em segundo plano. O saldo é que a conferência mostrou como economia, política e clima estão entrelaçados — e como o Brasil precisa avaliar com cuidado a conduta de seus parceiros.

A decisão de mais de 80 países de articular um compromisso paralelo, o chamado “mapa do caminho” para eliminar os fósseis, que será debatido em março de 2026 na Colômbia, é um sinal de que há um novo eixo diplomático em formação. O Brasil terá de escolher se quer se alinhar a esse grupo ambicioso ou se continuará preso às hesitações do BRICS. O risco é claro: se permanecer ao lado de parceiros que resistem à transição, pode sofrer barreiras comerciais verdes, perder investimentos em energias limpas e ver sua agricultura alvo de restrições ambientais.

Historicamente, o Brasil já foi coadjuvante em blocos como o Mercosul e a OMC, onde raramente conseguiu impor sua agenda. Agora, no BRICS, corre o risco de repetir esse papel. Muitos analistas apontam que os EUA e Israel poderiam ser parceiros mais consistentes, não tanto por comércio, mas por afinidade ideológica. Essa aproximação, porém, revela mais um alinhamento político do que uma estratégia econômica sólida.

Como autor desta coluna, não posso deixar de registrar a insatisfação que ecoou em Belém. A COP30 nos mostrou que diplomacia climática não pode ser apenas cálculo político. Ela precisa incorporar saberes, coletividade e pluralidade. O Brasil tem a Amazônia como ativo diplomático, mas também como patrimônio ético e cultural. Se quiser ser protagonista, precisa construir uma agenda que respeite essa dimensão e não reduza a floresta a moeda de troca.

Os resultados da COP30 ainda estão sendo decantados. Talvez sejam lembrados como o evento que colocou a Amazônia no centro da diplomacia climática, mas também como a conferência que expôs as contradições brasileiras. Aos poucos, entenderemos se Belém foi apenas mais um impasse ou o início de uma nova configuração geopolítica, capaz de conciliar pragmatismo político com ética ambiental e social.

Renato Zimmermann é desenvolvedor de negócios sustentáveis e ativista da transição energética

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