Sexta-feira, 26 de Setembro de 2025

Home Colunistas Da iniciativa à acabativa: por que a inovação no setor público ainda falha?

Compartilhe esta notícia:

Inovar na gestão pública virou um mantra. Todo mundo quer inovar. As palavras estão por toda parte: hackathon, laboratório de inovação, transformação digital, smart cities. O discurso é sedutor. Mas, no final do dia, o que realmente muda para o cidadão?

Essa pergunta nos acompanhou por anos. Por isso, junto com Paulo Renato Ardenghi, escrevi o livro Inovação em Governos – 10 passos para transformar uma cidade. Nele, compartilhamos uma convicção amadurecida a partir da prática: inovação boa é inovação que entrega.

O Brasil não sofre por falta de ideias. Sofre por falta de execução. E mais do que isso: sofre por não ter uma cultura de acabativa — a capacidade de tirar ideias do papel, mobilizar agentes públicos, estruturar projetos com começo, meio e fim e gerar impacto mensurável.

A inovação que defendemos não é apenas inspiradora — ela é realizadora.
Temos cidades com boas intenções, servidores comprometidos, eventos de inovação, editais lançados, conexões com universidades. Mas esbarramos, com frequência, nos mesmos obstáculos: projetos que não saem do PowerPoint, programas que não atravessam mudanças de gestão, ações pontuais que não se conectam a uma estratégia maior.

Por que isso ainda acontece?

Porque ainda tratamos inovação como algo paralelo ou decorativo, e não como um eixo estruturante da administração pública. Em vez de estar integrada à política de governo, ela é vista como um “projeto legal da equipe de TI” ou como pauta de eventos. E o resultado é o mesmo: pouca entrega, baixa perenidade e escasso impacto real. Quando a inovação é assumida como prioridade política e institucional, tudo muda.

Nas cidades com as quais trabalhamos — como Passo Fundo (RS), Encantado (RS), Lucas do Rio Verde (MT), Flores da Cunha (RS) entre outras —, o que funcionou foi a inovação sistêmica: construção de visão de futuro, governança multissetorial, pactos públicos com metas e projetos claros, programas estruturantes com cronograma, orçamento e indicadores de sucesso.

Não é sobre grandes ideias. É sobre bons processos, decisões baseadas em dados e uma cultura de execução com responsabilidade pública.

Inovação aberta: o governo não precisa inovar sozinho

Se queremos resolver velhos problemas com novas soluções, precisamos parar de pensar que a inovação virá apenas de dentro da prefeitura. A inovação pública do presente é aberta. É colaborativa. É conectada com o ecossistema.

Cada vez mais, vemos startups desenvolvendo soluções ágeis para problemas complexos da gestão: gestão de resíduos, mobilidade urbana, atendimento em saúde, segurança alimentar, educação digital, combate à evasão escolar, gestão de dados públicos. Elas existem. Estão prontas. E querem contribuir.

Mas, para isso, é preciso criar as condições para que essa colaboração aconteça. Isso exige ambiente regulatório adequado, editais flexíveis, sanboxes de teste, fundos de inovação, programas de incentivo fiscal, além de uma mudança de mentalidade: o setor público precisa deixar de ser apenas executor para se tornar orquestrador de soluções.

Formação de agentes públicos inovadores

Nada disso funciona sem pessoas preparadas. A inovação começa — e termina — nas pessoas. É preciso formar lideranças públicas com repertório, ferramentas e visão estratégica.

Hoje, muitos servidores são jogados em contextos complexos sem formação adequada em inovação, metodologias ágeis, dados ou transformação digital. Isso cria uma lacuna entre a expectativa de inovação e a capacidade de entrega.

Por isso, defendemos a criação de programas permanentes de formação de agentes públicos inovadores, combinando teoria, aplicação prática, mentorias e articulação com o ecossistema. Servidores empoderados transformam estruturas. E estruturas comprometidas criam cultura.

Decisões com base em dados e evidências

Outro elemento central é a gestão pública orientada por dados. Ainda há muito achismo na política pública. Planos de governo são, muitas vezes, desconectados de diagnósticos técnicos. A consequência são políticas mal desenhadas, recursos desperdiçados e ações com pouco impacto.

Cidades inovadoras usam dados e evidências para tomar decisões, alocar recursos, monitorar resultados e corrigir rotas. Isso exige sistemas integrados, cultura analítica, indicadores territoriais e transparência.

O futuro da gestão está nas mãos de quem sabe ouvir o território com inteligência — e isso só é possível com dados bem tratados, acessíveis e estratégicos.

Educação inovadora e geração de talentos

A inovação também começa na escola. Se queremos construir cidades inovadoras, precisamos formar pessoas inovadoras. E isso exige uma transformação profunda na forma como ensinamos e aprendemos.

É necessário apostar em modelos de educação conectados à nova economia, com foco em competências digitais, pensamento crítico, solução de problemas complexos, colaboração, criatividade e empreendedorismo. E mais: aproximar escolas e universidades dos desafios reais da cidade.

Uma cidade inovadora não é apenas aquela que atrai talentos — é aquela que forma e retém os seus.

Ambiente de fomento e clusters econômicos

Para que a inovação vire desenvolvimento, é preciso criar as bases de um novo ambiente econômico. Isso passa pela criação de políticas de fomento, marcos legais claros, fundos municipais de inovação, editais e incentivos fiscais.

Além disso, é fundamental pensar em termos de clusters econômicos regionais: não é mais sobre apenas fortalecer um setor isolado, mas criar sinergias entre cadeias produtivas, vocações locais e oportunidades globais.

De iniciativas a acabativas

A tese do nosso livro é simples, mas contundente: inovação não pode ser só iniciativa. Precisa ser acabativa.

Ela precisa sair do plano de governo e virar política pública. Precisa atravessar mandatos. Precisa deixar legado. E, acima de tudo, precisa gerar valor para as pessoas.

Inovar no setor público é um ato de responsabilidade com o futuro. E isso exige mais do que boas ideias. Exige compromisso, execução e continuidade. Boas ideias têm valor. Mas só boas entregas mudam realidades.

* Rafael Bechelin, especialista em inovação em governos e cidades inteligentes, membro do Grupo Front, executivo da GOV.UP, membro do Conselho de Ciência e Tecnologia de Porto Alegre, diretor da Federasul e da Associação Comercial de Porto Alegre.

Compartilhe esta notícia:

Voltar Todas de Colunistas

Dino mantém processo de desafeto e alivia Rui Costa
O agronegócio brasileiro, mais uma vez, sob ataque
Deixe seu comentário
Baixe o app da RÁDIO Pampa App Store Google Play
Ocultar
Fechar
Clique no botão acima para ouvir ao vivo
Volume

No Ar: Programa Show de Notícias