Sábado, 25 de Outubro de 2025

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Uma parte importante dos nossos erros está em apontar nas pessoas intenções supostas. É da nossa natureza perguntar: mas porque ele pensa assim, por que ele faz isso? A resposta “esclarece” e nos causa alívio.

Às vezes a gente acerta, mas desconfio que em metade das intenções que atribuímos aos outros são apenas imaginadas, a nossa avaliação segue padrões temerários senão aleatórios e preconceituosos. São apenas projeções fantasiosas de nossas cabeças.

Há também uma larga faixa de intenções que até podem existir, mas que o outro não a exerce, não opera para torná-la realidade. Neste caso, a intenção não tem valor para a nossa análise, não tem efeito ou consequência. O caso aqui é que erramos no nosso cálculo, falhamos na nossa avaliação, porque tomamos como operosa e consequente o que é inócuo e em nada resulta.

E no entanto, no mundo das discussões políticas, as facções e vertentes, todas elas, argumentam com a intenção real e imaginária (está principalmente) do opositor, atribuindo aos mesmos propósitos iníquos. Eles, os outros, sempre agem unicamente em favor dos seus interesses, de poder, de prestígio, de dinheiro.

O que seria das esquerdas se os males do capitalismo – a antessala do inferno –, os reais, os presumidos, não pudessem ser elevados à quinta potência? Se os capitalistas não fossem guiados por intenções tão mesquinhas e malévolas de como explorar e oprimir os trabalhadores?

O que seria da direita, do bolsonarismo, se não nos informassem em tempo integral que as esquerdas, o PT, vão fechar as igrejas e botar os padres e pastores na cadeia, vão decretar o regime de sexo, drogas e rock n’roll, vão transformar o Brasil numa imensa Venezuela?

Em toda arena de combate político, no combate diário ou eleitoral, é o outro que mente, inventa, adota táticas desleais. E, claro, cada um dos contendores têm suas teorias conspiratórias de estimação.

Ambos culpam os governos adversários pelos maus resultados e pelas carências e males do país, e nenhum reconhece, por mais meritória que possa ser a decisão, o ato, a política pública implementada pelo outro.

Para realçar as suas façanhas e os seus objetivos benignos se torna necessário desmerecer os inimigos até na mais duvidosa e vulgar circunstância, na mesma medida que é preciso esquecer e escamotear os próprios malfeitos, defeitos e contradições.

Então, o diálogo político, na real, é um diálogo de surdos, porque em tudo o que conta é a narrativa de que o lado bom somos nós, e o lado ruim são eles. Em tudo o que conta é convencer o distinto público, das más intenções e dos maus propósitos dos adversários.

Na raiz desse comportamento padrão está uma das certezas iracundas que os movem e atormentam, a de que os oponentes vivem para atingir suas intenções eivadas de torpeza, e cada passo que dão, mesmo aqueles que parecem respeitáveis, são apenas meios para alcançar o objetivo final mesquinho, a permanência no poder e a manutenção dos seus privilégios.

Não conseguem ver que – trocando as mãos – é exatamente desse modo que se comportam.

* titoguarniere@terra.com.br

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