Terça-feira, 09 de Setembro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 8 de setembro de 2025
No Dia Mundial da Alfabetização, celebrado nesta segunda-feira (8), o País não tem muito o que comemorar. Os dados mais recentes apontam que 3 em cada 10 brasileiros de 15 a 64 anos são analfabetos funcionais. Essas pessoas conseguem apenas ler palavras isoladas, frases curtas, ou apenas identificar números familiares, como contatos telefônicos, endereços, preços e etc..
A data foi criada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para ressaltar a importância da alfabetização no desenvolvimento social e econômico.
A pedagoga e especialista em psicopedagogia Gabrielle Paganini destaca os principais obstáculos enfrentados tanto na educação infantil quanto na Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Segundo Paganini, na infância, o maior desafio é lidar com as desigualdades de contexto entre os alunos. “Existem crianças que têm muitos estímulos em casa, têm acesso a livros, têm um contexto familiar estruturado e tem crianças que nós sabemos que não têm essa realidade. Então, acredito que na educação infantil o maior desafio seja equilibrar esses contextos diferentes que recebemos as nossas crianças”, explica.
Em 2024, 59,2% das crianças matriculadas na rede pública de ensino foram alfabetizadas na idade certa. O número vem crescendo, mas ainda está longe do ideal. Para especialistas no tema, os prejuízos da alfabetização tardia vão além de uma questão de tempo, e têm relação com aspectos históricos, sociais e até raciais.
De acordo com Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de administração do Cenpec — ONG que desenvolve projetos com foco na melhoria da educação pública —, a alfabetização tardia ou a estagnação no nível de analfabetismo funcional renega direitos básicos e compromete o exercício da cidadania.
Além disso, o problema alimenta exclusão e reforça desigualdades educacionais que atingem, principalmente, pessoas mais velhas, negras, indígenas ou amarelas.
Segundo Luciana Brites, CEO do Instituto NeuroSaber e doutoranda em distúrbios do desenvolvimento, uma criança deve ser alfabetizada, idealmente, até os 8 anos de idade, quando os circuitos neurais estão no ápice do amadurecimento.
“Isso potencializa o desenvolvimento, mitiga o analfabetismo e dificuldades de leitura, e, quando associada a abordagens adequadas, é fundamental para o desenvolvimento posterior da compreensão leitora”, ela explica.
Apesar disso, a especialista reforça que uma pessoa pode ser alfabetizada em qualquer fase da vida. No entanto, a demora nesse processo pode acarretar dificuldades de coordenação motora, por exemplo.
Quando o assunto é analfabetismo funcional, o Brasil segue no mesmo patamar 2018, com 29% de analfabetos funcionais. O problema é mais comum entre pessoas de 40 a 64 anos, e chega a atingir 51% das pessoas com 50 anos ou mais.
Segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), isso evidencia o “efeito positivo das políticas de inclusão e valorização da escola para crianças e jovens realizadas nas últimas duas décadas”, já que a brasileiros dentro deste recorte de idade “são os que se beneficiaram das políticas de inclusão massiva da população na escola.”
Este problema também tem um recorte racial. Em 2024, 41% dos que se declararam brancos foram considerados alfabetizados consolidados (intermediário ou proficiente). Entre os pardos e pretos, apenas 31% estavam na mesma categoria, e ainda menos (19%) amarelos e indígenas alcançaram os mesmos níveis.
Anna Helena, do Cenpec, destaca que esse é um aspecto histórico. “Nos primórdios do Brasil, os analfabetos eram os negros, as indígenas, as mulheres. Pouquíssimas pessoas sabiam ler e escrever, e este privilégio era resguardado aos homens brancos.”
Para ela, essa lógica é perpetuada ainda hoje e reforça as desigualdades educacionais.
“Quem são as crianças que não se alfabetizam? São as crianças mais pobres, as crianças negras, indígenas, quilombolas, crianças com deficiência, de territórios da área rural ou da periferia de grandes centros urbanos”, ela diz.
A especialista defende que é necessário garantir uma alfabetização para todos, e que só assim será possível inibir a produção contínua de exclusão que afeta uma parcela significativa da população.