Segunda-feira, 29 de Dezembro de 2025

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Final de ano é uma espécie de espelho cruel… A gente olha para trás e descobre que não foi fácil chegar até aqui: trabalho, cansaço, preocupação, contas, noites mal dormidas e aquele desejo quase infantil de simplesmente ter paz.

Você batalhou o ano inteiro por isso: a geladeira cheia, o sossego na sala, o direito de descansar sem pedir licença para ninguém.

Deus sabe o preço que você pagou, e não foi barato… Foi à vista, com boleto, suor e alguns silêncios engolidos.

E é exatamente nesse momento que ele aparece. Sempre aparece. Com a sutileza de um carro de som na madrugada, chega alguém com o refrão mais antigo do Brasil: “Ei, você aí… me dá um dinheiro aí?”

Não pergunta da tua vida. Não quer saber das batalhas que você travou. Não está interessado no caminho que você percorreu. Só quer a chave do cofre emocional que você carrega no bolso. No começo, você se comove.

A história é boa, o drama convence, e você pensa: “Coitado… e se fosse comigo?”

E você empresta… Na primeira vez, a pessoa fica grata e você fica satisfeito por poder ajudar.

Na segunda, ela já tem certeza de que você vai emprestar de novo. Você se sente um pouco constrangido, pensa duas vezes, mas empresta novamente.

Na terceira, você já virou instituição financeira filantrópica com CNPJ invisível. Ela já considera o dinheiro como certo.

Na quarta, se você disser “não”, vira o vilão da novela. O histórico de tudo o que você fez some como legenda ruim em TV antiga.

E o mais irônico? Ela muda. Aquela criatura humilde e doce vira especialista em rispidez: “Tu acha que eu não vou te pagar?”

Pronto… Você criou um parasita afetivo com carteira assinada.

A psicologia explica com palavras bonitas. Eu resumo assim: quando você empresta demais, desaprende a se proteger; quando o outro recebe demais, desaprende a se virar.

E, no meio dessa matemática torta, pode morrer uma amizade — quase sempre devagarzinho, em suaves prestações iguais às que nunca te pagaram.

E, quando é parente, o risco é maior: pode ir a família inteira junto, com juros e correção monetária de mágoas. E tem outra coisa que ninguém fala. Quando você empresta dinheiro, não empresta só dinheiro.

Empresta:  as férias que não vai fazer, a tranquilidade que não vai ter a bicicleta que o filho não vai ganhar o conserto que você vai adiar, o sono que não volta.

Você não empresta cifras. Você empresta pedaços da sua vida…

Aprendi algo importante tardiamente, confesso: “Cada um tem o direito sagrado de arcar com as consequências das próprias escolhas”.

Às vezes, quando você “salva” alguém, mesmo bem-intencionado, sem querer pode estar interferindo na lição que Deus reservou para essa pessoa.

Tem gente que pede dinheiro quando deveria estar pedindo responsabilidade.

Cheguei a três conclusões simples: se o copo está transbordando, doe; se o copo está pela metade, proteja; e se o copo está vazio, aprenda a dizer ‘não’, mesmo que doa…

Porque quem realmente te ama não mede o tamanho do teu bolso. E quem só te procura quando precisa não te procura, te utiliza.

No fim, o refrão volta, como marchinha de carnaval: “Ei, você aí… me dá um dinheiro aí…”

E você sorri de canto de boca, mais maduro e menos culpado, sabendo que finalmente entendeu: meu amigo, cada um com seus problemas.

O meu, hoje, é não comprar os problemas dos outros e administrar minha própria vida com responsabilidade.

Aprendi, e já estava na hora, a dizer “não”. E não é falta de amor. Às vezes, é justamente o contrário…

Porque ajudar nem sempre é dar dinheiro: às vezes é dar oportunidade, apoio, um conselho, um abraço, e deixar o universo ensinar o resto.

E, sem perceber, você ajuda quando compra um cachorro-quente, conserta um sapato velho, paga um sorvete ou um café: aquele dinheiro pode virar a merenda do filho do sapateiro, gás da cozinheira, ou o caderno de um estudante.

A gente nunca sabe. Deus é quem organiza o invisível e coordena os meandros deste vasto universo, e essa é a grande beleza da vida. Espero que essa mensagem te toque de alguma forma.

Feliz Ano-Novo!

* Fabio L. Borges, jornalista, cronista e poeta

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