Quarta-feira, 20 de Agosto de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 20 de agosto de 2025
É difícil encontrar alguém que não conheça Elke Maravilha. Basta mencionar o nome para que venha, quase automaticamente, a imagem da artista exuberante: roupas extravagantes, irreverentes e sempre únicas, maquiagem marcante, adornos ousados e um sorriso largo. Figura que conquistou a simpatia nacional. Aos olhos de muitos, uma persona, talvez criada para ganhar os holofotes. Talvez. A verdade é que pouco importa. Elke era, de qualquer forma, uma personalidade fascinante, icônica, vestida por uma mulher carismática e de trajetória única.
Desde o nascimento, nada foi convencional. Seu pai, russo e acusado e “traidor da pátria”, retornava de um período de seis anos cumprindo pena em um dos temidos gulags soviéticos — campos de trabalho forçado do regime de Stalin — na Sibéria, em plena Segunda Guerra Mundial, quando Elke Grunnupp veio ao mundo. Já a localização do nascimento é controversa: Elke afirmou, durante toda sua vida, ter nascido em Leningrado (atual São Petesburgo), na Rússia. No entanto, em sua certidão consta que o “evento” ocorreu na Alemanha. Mas, por que o mistério? segundo o pesquisador Chico Felitti, que se debruçou sobre a biografia da artista, é possível que familiares de Elke tenham tido vínculos com o regime nazista, fato que não seria lá tão agradável de se revelar. A verdade é que, mesmo nas origens, Elke já desafiava fronteiras — físicas, políticas e simbólicas — anunciando, desde cedo, sua trajetória singular e sem amarras.
Chegou ao Brasil com sete anos e se instalou no interior de Minas com a família. Ainda criança, começou a mostrar que não se encaixaria em moldes previsíveis: “Em vez de brincar de bonecas, pegava o cavalo e sumia por quatro dias”, contava ela, com o brilho de quem nunca viveu no piloto automático. Essa frase revela muito: desde cedo, Elke desenvolveu uma liberdade mental rara, que claramente se estendeu para a vida adulta e rompeu com qualquer roteiro previsível. Vida pacata pra quê? A inquieta moça mudou-se inúmeras vezes e chegou a passar um ano e meio morando dentro de um carro, de vila em vila na Europa, com o primeiro de seus oito maridos.
Oito maridos, oito línguas.
Elke foi uma camaleoa — assumiu muitas versões até se revelar. Foi professora de idiomas, secretária, tradutora, bancária e bibliotecária. Chegou a cursar Filosofia, Letras Clássicas e Medicina, mas não cabia mais aí. Era artista, e o chamado pulsava cada vez mais forte. Assim nascia — ou emergia — a famosa Elke Maravilha: modelo, atriz, jurada, cantora, apresentadora e uma personalidade inconfundível da arte brasileira.
O apelido Maravilha não poderia ser mais adequado. Com opiniões fortes e cirúrgicas, defendia sempre a liberdade do ser, os direitos dos menos favorecidos, a arte e a brasilidade — em detrimento da “americanidade”, que tanto abominava.
Conhecida por ser extremamente generosa, relatos indicam que Elke morreu sem dinheiro, por ajudar a todos de forma descomedida. Partiu alemã, e não mais brasileira, já que havia perdido sua cidadania durante a ditadura, ao rasgar cartazes de presos políticos, em defesa do filho de sua amiga Zuzu Angel, e foi punida por isso.
Neste mês de agosto, completamos um ano sem Elke Maravilha, fato que talvez tenha passado com menos alarde do que merecia. Sua presença marcante, porém, jamais se apagou. Elke foi uma mulher à frente do seu tempo: ousada, generosa ao extremo, dona de uma liberdade que desafiava nem só os mais conservadores. Sua irreverência não era apenas estética, mas um manifesto pela pluralidade, pela aceitação do diferente, pela defesa dos direitos humanos e pela arte como forma de resistência e expressão.
É esse espírito que o Brasil precisa hoje: liberdade para sermos como somos, coragem para enfrentar preconceitos e desigualdades, altruísmo para ajudar quem precisa, e uma dedicação apaixonada à arte em todas as suas formas — como resistência, expressão e transformação. Precisamos de autenticidade para romper com o conformismo e da ousadia para falar sem medo de “causar” — assim como Elke fez durante toda a sua vida. Maravilha, maravilhosa.
Por mais Elkes no cenário brasileiro!
Dana Badra – advogada, especialista em língua inglesa e atuou por 13 anos como tradutora.
No Ar: Pampa Na Madrugada