Sexta-feira, 26 de Dezembro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 25 de dezembro de 2025
O trecho de 14 km já aberto da rodovia estadual AM-366 no município de Tapauá (AM) é pequeno, mas concentra irregularidades que são comuns à maioria das localidades da Amazônia Legal. Os efeitos da falta de licenciamento ambiental, da invasão de território indígena, de um lixão ilegal e do assoreamento de rios estão pelo caminho da via no interior do Amazonas.
A situação em Tapauá mostra como o poder público e seus representantes em diferentes níveis de governo podem ser agentes de degradação ambiental.
A verba pública para pavimentação do segmento da rodovia dentro do município veio de emenda parlamentar do senador Omar Aziz (PSD-AM) por meio do programa federal Calha Norte, à época sob o Ministério da Defesa.
A prefeitura local conseguiu os recursos apesar de não ter autorização de órgãos estaduais, inclusive dos de meio ambiente, e jogou concreto em um trecho que invadiu uma terra indígena homologada, segundo relatório de técnicos do governo amazonense.
A via tem ainda um trecho em terra batida que leva a um lixão irregular da prefeitura municipal. A parte sem pavimentação também bloqueia riachos da região, comprometendo a segurança hídrica de várias comunidades, segundo organizações indígenas.
Tapauá é o quinto maior município em extensão territorial do país, com aproximadamente 85 mil km². O núcleo urbano da localidade fica na área em que os rio Purus e Ipixuna se encontram e não tem ligação por terra com outros municípios. A distância para Manaus é de cerca de 1.200 km pela rota de navegação fluvial e de 450 km em linha reta.
Agentes de fiscalização, autoridades, ambientalistas e lideranças indígenas ouvidos pela Folha associam a farta execução de obras de abertura e pavimentação de estradas ao desmatamento ilegal e outros tipos de degradação ambiental, como o assoreamento dos pequenos e médios leitos d’água conhecidos na Amazônia como igarapés.
Essas obras em geral são acompanhadas de discursos desenvolvimentistas e violações da lei por parte de prefeituras e órgãos públicos estaduais e federais, afirmam especialistas.
Troca de afagos
Em agosto de 2021, o prefeito de Tapauá, Gamaliel Andrade (União Brasil), publicou foto ao lado do senador Aziz e anunciou em seu perfil de rede social a obtenção de verbas públicas para a pavimentação da via.
“Estive visitando o senador Omar Aziz para parabenizá-lo pelo seu aniversário e quem ganhou o presente foi o município de Tapauá. O senador irá disponibilizar recurso para pavimentação de 10 km da nossa estrada 366”, postou Andrade.
Dois meses depois, foi a vez de o parlamentar usar a sua rede social para divulgar a destinação de R$ 10 milhões a Tapauá para pavimentação e adequações de vias da cidade, com uma foto em seu gabinete em Brasília na companhia do prefeito e de vereadores de Tapauá.
Em entrevista à Folha de S. Paulo, o prefeito confirmou a obtenção da emenda de Aziz para a pavimentação do trecho da AM-366.
“Consegui uma emenda através do senador Omar [Aziz] e pavimentamos. A gente assumiu o governo e procurou o senador em questão de pavimentar a nossa estrada”, afirmou Andrade.
Novas liberações
No final de 2021, a pavimentação em concreto de 2,4 km da via foi formalizada por meio de convênio entre a Prefeitura de Tapauá e o departamento do programa Calha Norte, no montante de R$ 5 milhões.
O primeiro repasse de R$ 1 milhão para a obra foi liberado por indicação do senador em janeiro de 2023.
Enquanto as obras estavam em andamento naquele ano, outro convênio para um novo trecho no traçado da AM-366 foi assinado pela Prefeitura de Tapauá, desta vez com o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, no valor de R$ 2,8 milhões.
Mais uma vez o projeto contou com emenda do senador Aziz, por meio da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado. A primeira transferência desse convênio para o município, no valor R$ 574 mil, foi feita no último dia 2 de dezembro.
Em nota, a assessoria do senador Omar Aziz (PSD-AM) afirmou que a responsabilidade técnica é de beneficiário de repasse.
Ação do MP
A falta de licenciamento ambiental e estudo do impacto ambiental causado pela obra passaram a ser investigados no fim de 2023, quando o procurador do Ministério Público de Contas do Amazonas (MPC-AM) Ruy Marcelo Alencar de Mendonça abriu uma apuração.
Segundo o relatório da fiscalização do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) e a Secretaria Estadual de Infraestrutura e Região Metropolitana (Seinfra), além da falta de licenciamento e estudo de impacto ambiental, a obra invadiu a Terra Indígena Apurinã do Igarapé São João e continha uma série de irregularidades.
O Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM) julgou procedente a representação do Ministério Público de Contas e aplicou uma multa de R$ 13 mil ao prefeito. As informações é da Folha de S. Paulo.