Home Colunistas Este momento também passará

O serviço militar obrigatório é, para os recrutas, um ano atípico, diferente de tudo já vivido anteriormente, é um ano diferente de todos os demais que vieram depois.

Como a maioria dos recrutas, entrei chorando era mês de janeiro, chorei pelos meus cabelos, pelo veraneio perdido, pelo sofrimento da adaptação e por bolhas, nos pés, pelos coturnos e, nas orelhas, pelo sol.

Acreditem! Um ano depois, saí também chorando.

Chorando por amigos/soldados, pela camaradagem, pela forte influência dos profissionais militares, sargentos, tenentes e um aperto no peito, por aquela que foi a melhor escola de vida que tive.

Foram muitas histórias, vivências, novos desafios de autoconhecimento, situações que jamais são esquecidas por quem vive a experiência do serviço militar.

Horários rígidos, regras, responsabilidade, disciplina e profissionalismo dos militares de carreira que tinham a missão de nos conduzir para vida adulta.

Dentre os profissionais que convivíamos diariamente, havia um especial: o 3° Sargento Sérgio Chaves, hoje um grande amigo.

Sargento Sérgio Chaves marcou a vida de centenas, talvez milhares de jovens, nos anos em que serviu na 1º Cia de Guardas de Porto Alegre e outras unidades militares.

Conduzia a tropa muito tranquilo, comandava os meninos/recrutas com maestria, usava a firmeza só quando preciso, mas sempre na medida certa, nem de mais, nem de menos. Não desperdiçava energias.

Ao repreender um soldado, era firme, depois sorria. Invariavelmente, estava bem humorado.

Repreendia, mas nunca humilhava. Era paciente, mas não tolerava indisciplina.

Astuto, enganou à todos nós! Fazendo-nos acreditar que ele era um chefe, quando, na verdade, foi um grande professor e amigo.

Durante uma manhã, num breve intervalo de ordem unida no parque Farroupilha, estávamos em um espaço separado do pelotão, eu e um outro soldado.

Sentado no chão, encostado em uma árvore no breve intervalo da ordem unida, o amigo choramingava:

– Não aguento mais… quero ir embora…

Dizia ele, quase chorando pela dificuldade de adaptação.

Então para dar uma animada no colega, e talvez para não chorar também, comecei a falar-lhe:

– Quando a gente der “ baixa”, vamos para o Rio de Janeiro! Tenho parentes que moram lá, vamos ir à praia todos dias! Já pensou? Ipanema, Copacabana todos os dias! Garotas! Sol! Que tal?

Sonhando com algo irreal e tentando animar o amigo, que a esta altura, chorava, só piorei as coisas…

Naquele momento, surgiu em nossa conversa o Sargento Sérgio, que observou a cena e, rapidamente, entendeu o momento, sem olhar para o recruta que soluçava com olhos vermelhos do choro, começou a falar bem assim:

– Certa vez, lançaram um desafio para Sócrates de dizer uma frase que poderia ser dita hoje, e continuasse a ser verdadeira e atual para daqui a mil anos!

Sócrates respondeu:

– Sim, este momento também passará.

Disse-nos o sargento, olhando para a copa de uma árvore para distensionar o ambiente:

– Isso tudo vai passar. É só um breve tempo na vida.

Aplacando o destempero dos dois soldados-meninos.

Em ato contínuo, afastou-se e chamando à todos os recrutas para entrar em forma para continuar a ordem unida.

Ele nunca levou esse episódio ao grupo.

Daquele dia em diante, passei a observá-lo mais atentamente. Comecei a notar que ele não era só um 3° sargento do Exército. Havia ali um professor de vida, um orientador de jovens.

Obrigado, Sargento Sérgio!

Por seus ensinamentos de vida, por mostrar como se supera as frustrações e nossos limites. Sempre apontando para os caminhos da lei, da ordem e do cumprimento do dever.

Obrigado, Sargento Sérgio Chaves, por ensinar aos jovens a se conduzir como cidadãos, reforçando valores e respeito às normas.

E Sócrates tinha razão: aquele momento passou.

Mas desculpe, Sargento! Desta vez, o senhor errou, ao menos para mim e para todos que serviram a pátria. Aqueles momentos nunca passarão!

Soldado 220 – PONS –  2° Pelotão da 1° Cia de Guardas de Porto Alegre – Ano 1973.

Rogério Pons da Silva – jornalista e empresário (rponsdasilva@gmail.com)