Segunda-feira, 03 de Novembro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 2 de novembro de 2025
Dos 93 fuzis apreendidos na operação mais letal da história do Rio de Janeiro, nos complexos do Alemão e da Penha, ao menos metade é de armas conhecidas no meio policial como “fantasmas”. São imitações de armamentos originais fabricadas de forma clandestina, com peças de diferentes origens – muitas delas produzidas em impressoras 3D capazes de processar metal. Entre os fuzis “fantasmas” encontrados pelas forças de segurança nos conjuntos de favelas, há falsificações de modelos de pelo menos duas fabricantes: a alemã Heckler & Koch (HK) e a norte-americana Colt. As inscrições que remetem às marcas, no entanto, são feitas com tinta – ao contrário das originais, gravadas diretamente no corpo da arma – ou estão fora dos padrões autênticos.
Esse tipo de armamento – que não tem qualquer registro formal ou número de série, o que o torna praticamente impossível de rastrear – se alastrou pelo mercado criminal do Rio em menos de uma década. Dados do Instituto Sou da Paz obtidos com exclusividade pelo jornal O Globo revelam que, em quatro anos, as apreensões de fuzis sem marcas, característica dos “fantasmas”, triplicaram no estado: em 2020, eram 108; em 2023, saltaram para 307 – metade dos 610 retirados dos criminosos. Fontes da inteligência das polícias estimam que cerca de um terço dos mil fuzis ainda em circulação no Alemão e na Penha sejam “fantasmas”.
Nesses dois complexos, nas apreensões da operação da última terça-feira, além dos fuzis montados com peças contrabandeadas ou adquiridas legalmente na internet, há armamento com origem em países como Venezuela, Argentina, Peru, Bélgica, Rússia, Alemanha e Brasil, assim como exemplares desviados das Forças Armadas. Ontem, a Polícia Civil do Rio revisou o número de armas retiradas das mãos de traficantes do CV nessas favelas: de 118 para 120, com dois fuzis a mais do que os 91 anunciados antes. O prejuízo estimado ao crime organizado é de R$ 12,8 milhões, segundo levantamento da Coordenadoria de Fiscalização de Armas e Explosivos (CFAE).
Quanto aos “fantasmas”, a primeira apreensão em larga escala desse tipo de armamento no Rio remonta a janeiro de 2018, quando o então sargento do Exército Renato Borges Maciel foi preso em flagrante trazendo 18 deles para o estado. Na ocasião, Maciel foi abordado por agentes da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Civil na Rodovia Presidente Dutra. O militar trouxe as armas escondidas no porta-malas desde Foz do Iguaçu, no Paraná, onde era lotado. Como a Tríplice Fronteira era a origem de quase todos os fuzis “fantasmas” apreendidos entre 2018 e 2020, as polícias Civil e Federal concluíram que, inicialmente, as primeiras armas do tipo eram montadas por armeiros no Paraguai e entravam no país de forma clandestina.
Mas, em outubro de 2023, investigação da PF descortinou uma mudança no mercado das “fantasmas”: pela primeira vez, uma fábrica clandestina de fuzis com capacidade industrial foi descoberta no país, em Belo Horizonte. Funcionava sob a fachada de uma marcenaria, usava equipamentos milionários de alta precisão – como uma impressora 3D do tipo CNC, capaz de reproduzir peças metálicas originais – e atendia o CV e outros grupos criminosos do Rio. No mesmo dia em que a fábrica foi fechada, seu dono, identificado como Silas Diniz Carvalho, foi preso em uma mansão alugada na Barra, onde foram apreendidos 47 fuzis “fantasmas”.
Mesmo condenado em 2024 a uma pena de mais de 12 anos, Silas conseguiu manter o esquema, segundo a PF. Em prisão domiciliar, ele é acusado de transferir a operação para outra fábrica, ainda mais sofisticada, em Santa Bárbara d’Oeste, em São Paulo. A nova planta industrial, fechada por agentes federais em agosto passado, podia produzir mais de 3,5 mil fuzis por ano.
“O investimento inicial para abrir uma fábrica desse porte é alto, ao menos R$ 3 milhões. Mas, do ponto de vista financeiro, compensa para o criminoso, que não precisa comprar peças de fuzil originais, em dólar, e não precisa arcar com os custos com corrupção de agentes públicos para transportar as armas para dentro do país”, explica Bruno Langeani, especialista em controle de armas.
Fábricas artesanais que produzem armas “fantasmas” em escala menor também se proliferam. É o caso da oficina de fuzis da milícia encontrada pela PF em Rio das Pedras, na Zona Sudoeste do Rio, em agosto passado. Os agentes federais descobriram que os paramilitares importam peças dos Estados Unidos e as juntam com outras partes de polímero feitas em impressoras 3D.
A partir de investigações das polícias Civil e Federal, o jornal O Globo identificou um elo entre as fábricas clandestinas e organizações criminosas do Rio abastecidas pela quadrilha. Durante a campana feita em frente à mansão onde Carvalho, o dono do empreendimento, foi preso em 2023, agentes federais perceberam que um homem chegou à casa a bordo de um carro clonado, pegou uma mala dentro do imóvel, colocou-a no carro e deixou o local. Ele conseguiu escapar da prisão, mas Carvalho, em depoimento à Justiça, expôs sua identidade: era ex-sargento da PM Ricardo Rangel da Silva, apontado pela polícia como um dos maiores traficantes de armas do Rio. As informações são do jornal O Globo.