Terça-feira, 14 de Outubro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 23 de outubro de 2021
Eles estupraram mulheres, queimaram casas e mataram dezenas de pessoas, incluindo crianças. Esquartejaram os seus corpos com facões e atiraram os restos aos porcos. O massacre de três anos atrás, considerado o pior do Haiti em décadas, foi mais do que gangues rivais lutando por território.
Foi organizado por funcionários haitianos do alto escalão, que forneceram armas e veículos para membros de gangues para punir as pessoas de uma área pobre que protestavam contra a corrupção do governo, denunciou o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos no ano passado.
Desde então, os membros de gangues do Haiti se tornaram tão fortes que governam áreas do país. O mais notório deles, um ex-policial chamado Jimmy Cherizier, conhecido como Barbecue, se coloca como um líder político, realizando conferências de imprensa, liderando marchas e, na semana passada, até mesmo desfilou como substituto do primeiro-ministro na violenta capital.
Depois que gangues atiraram em um comboio do governo e fecharam a celebração oficial da morte do presidente fundador do país, Cherizier decidiu presidir a cerimônia, vestido com uma roupa branca, cercado por câmeras e guardas mascarados com espingardas enquanto ele colocava coroas de flores no local.
Gangues
“As gangues têm mais autoridade do que nossos líderes”, disse Marie Yolène Gilles, chefe de um grupo local de direitos humanos, o Clear Eyes Foundation. “Se eles disserem ‘fique em casa’, você fica em casa. Se eles disserem ‘saia’, você pode sair. É aterrorizante.”
O sequestro de 17 pessoas com um grupo missionário americano durante o fim de semana, que acredita-se ter sido realizado por uma gangue rival chamada 400 Mawozo, ressaltou o poder crescente das gangues do Haiti. Segundo algumas estimativas, eles agora controlam mais da metade do país e, em alguns lugares, operam como governos de fato, com seus próprios tribunais, “delegacias de polícia” e taxas residenciais para tudo, desde a eletricidade até as licenças escolares.
Especialistas dizem que as gangues têm mantido influência em muitos bairros pobres, mas começaram a ganhar mais domínio depois que Jovenel Moise foi empossado como presidente em 2017. Esses grupos se aproveitaram da ruptura das instituições democráticas sob o comando do presidente e da implantação de gangues pelo seu governo como ferramenta de opressão.
Mesmo o governo americano e a Organização das Nações Unidas estando cientes da crescente ligação entre as gangues, o governo e a polícia haitiana, eles pouco fizeram para combater o problema, em parte por medo de derrubar a pouca estabilidade que o Haiti tinha, dizem os oficiais atuais e antigos.
Essa aparência de estabilidade desmoronou em julho, quando Moise foi assassinado em seu quarto. O episódio permanece sem solução e expôs ainda mais a fraqueza institucional do país.
“Sua administração enfraqueceu a polícia e o sistema judiciário”, disse Pierre Espérence, diretor executivo da Rede Haitiana de Defesa dos Direitos Humanos, sobre o governo de Moise. “Não havia controles no porto, na fronteira, no aeroporto — armas e munições chegam facilmente ao Haiti. E, então, eles usaram as gangues para massacrar as pessoas nas favelas.”
Os ataques, segundo o diretor da rede humanitária, foram tentativas de garantir o controle político na corrida às eleições na região da capital, que representa 40% do eleitorado do país — grande parte em favelas lotadas.
Massacre
A organização de Espérence documentou mais de uma dúzia de ataques armados por gangues desde 2018, levando à morte ou desaparecimento de mais de 600 pessoas. Em muitos casos, esses relatórios citam o papel de policiais nos assassinatos, incluindo o envolvimento de oficiais ativos e o uso de equipamentos como carros blindados ou gás lacrimogêneo.
No centro das alegações está Cherizier e a aliança de nove gangues que ele lidera, conhecida como a coalizão G9 em Família e Aliados. Mas o “arquiteto intelectual” do massacre em 2018 foi Joseph Pierre Richard Duplan, um membro eleito do partido do presidente que forneceu armas para membros de gangues, segundo afirmou o Departamento do Tesouro em dezembro.
Cherizier, que lidera uma coleção rival de gangues, negou qualquer ligação com o governo. Em vez disso, se apresenta como um revolucionário, lutando contra a pobreza nas favelas. No último domingo, um dia após o sequestro dos missionários, tiros em direção à cavalaria do governo haitiano fizeram com que ela fugisse antes que o primeiro-ministro pudesse comparecer à cerimônia em homenagem ao “pai” fundador da nação.
Com o governo sendo perseguido, Cherizier, então, liderou a procissão, apreciando o espetáculo, como se fosse o verdadeiro líder da nação. Gilles especula que ele poderia concorrer ao cargo na próxima eleição. “Tudo pode acontecer neste país”, disse ela, listando políticos que foram eleitos apesar de enfrentarem sérias alegações criminais. “Não seria a primeira vez que pessoas com problemas com a lei são eleitas.”