Quarta-feira, 15 de Maio de 2024

Home em foco Guerra na Ucrânia força a Europa a se tornar potência militar

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A Rússia vai provavelmente insistir em controlar o leste da Ucrânia e a capital, Kiev, para Vladimir Putin ter alguma coisa para negociar mais tarde. Se ele retirasse as forças russas agora, não teria o que negociar. Já o risco aumenta se ele se sentir mais acuado. É a avaliação de Jean-Marc Rickli, diretor de riscos globais e de resiliência do Centro de Política de Segurança (GCSP, na sigla em inglês), de Genebra, doutor em relações internacionais pela Universidade de Oxford e coautor de um livro sobre a guerra no século XXI (“Surrogate Warfare: The Transformation of War in the Twenty-first Century”).

Em entrevista ao Valor Econômico, Rickli estimou que a agressão da Russia contra a Ucrânia vai empurrar a Europa na direção de se tornar uma potência militar. As despesas militares mundiais em armamentos, que desde 2010 já estavam em ritmo de aumento anual, vão se expandir. A seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: A Rússia passou a uma lógica de guerra total na Ucrânia?
Jean-Marc Rickli: Não, não estamos numa lógica de guerra total. Por exemplo, há pouco engajamento de guerra eletrônica ou de novas armas, como novos aviões de combates. As forças aéreas são bem pouco utilizadas pelos russos nesse conflito. O
que houve provavelmente foi uma superestimação das capacidades russas de poder tomar uma boa parte do leste e conquistar Kiev rapidamente. Isso não ocorreu, porque houve tanto a resistência dos ucranianos que os russos não esperavam, como há
problemas nas forças russas em termos de logística, abastecimento. A ideia agora provavelmente para os russos é de criar uma situação de controlar o leste e Kiev, para Putin ter alguma coisa para negociar. Se ele retirasse as forças russas agora, não teria o que negociar.

Valor: Ou seja, uma lógica de guerra ainda limitada…
Rickli: Bom, os meios usados pelos russos são bastante importantes, mas de fato não vimos todas as forças russas engajadas, o oeste da Ucrânia ainda está livre de tropas russas. Não estamos numa guerra em que provavelmente o objetivo seria ocupar toda a Ucrânia. Mas sim uma guerra a objetivo limitado, embora os meios usados sejam bem violentos.

Valor: Mas, com a resistência dos ucranianos e um Putin frustrado, qual o risco de introdução de armas de destruição maciça?
Rickli: É difícil dizer, porque Putin já mostrou que sua racionalidade não é como a nossa. Mas esse tipo de arma é proibida, e ele não teria mais meios de negociar. Lavrov [Sergei Lavrov, ministro russo de Relações Exteriores] voltou a ameaçar com utilização de armas nucleares. Tudo isso faz parte do mecanismo de pressão sobre o adversário, mudar sua percepção e tentar aumentar sua posição de negociação. Mas se chegarmos ao uso de armas químicas, biológicas ou outras é preciso levar em conta que, por exemplo, com armas biológicas, não dá para conter a propagação do patógeno que é infiltrado. E países vizinhos da Ucrânia seriam atingidos, alguns deles membros da Otan [a aliança militar ocidental], e aí o risco de escalada à qual a Rússia enfrentaria. Pelo momento, para mim isso não é uma opção.

Valor: Os armamentos que os europeus prometem aos ucranianos vão realmente ajudar? Por que demoram a chegar?
Rickli: Depende do tipo de armamentos que se fala. O problema nem é o tempo para chegar na Ucrânia. Mas sim se os ucranianos estarão treinados para usar esses modelos de armas antiaéreas, mísseis, antitanque. A Ucrânia continua nas mãos dos ucranianos, há possibilidades de entrega das armas por via aérea, mas treinar as pessoas para esses tipos de armas não é algo que se faz rapidamente.

Valor: Quais os cenários que o senhor vê para o fim dessa guerra?
Rickli: É preciso ver até onde Putin está pronto a ir. Mas o que já vemos é que seu cálculo inicial aparentemente fracassou, que seria de tomar facilmente algumas cidades do leste e decapitar o poder em Kiev. Não foi o que ocorreu. E a reação dos
aliados contra Putin é enorme, como nunca vimos, em termos de boicote. Putin, para negociar, precisa estar em posição de força e em certo momento será necessário ter uma porta de saída. Porque se ele se sentir acuado, que não tem outra possibilidade, não podemos nunca excluir uma ação completamente louca. Não há espaço de negociação no momento.

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