Terça-feira, 14 de Maio de 2024

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Hospitais do País têm usado uma orientação do Ministério da Saúde para se recusar a realizar aborto após 22 semanas de gestação, mesmo em casos previstos na lei. Levantamento com secretarias de saúde identificou que apenas dois hospitais do País, um no Recife (PE) e outro em Uberlândia (MG), realizam o procedimento quando a gestação já passou desse período. A diferença de conduta nos centros do Brasil ganhou destaque após a pasta suspender a norma, que é contestada por especialistas, mas em seguida recuar.

Os argumentos contrários à orientação vigente do Ministério da Saúde, incluídos em uma nota técnica de 2022, ainda no governo de Jair Bolsonaro, são tanto no campo jurídico quanto de saúde.

Especialistas citam o fato de a própria lei não prever limite de semanas nos casos em que o procedimento é permitido — quando não há outro modo de assegurar a vida da gestante, se a gravidez é resultado de um estupro ou quando há má formação do cérebro, conforme entendeu o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012.

“O limite de prazo estabelecido por nota técnica do governo Bolsonaro não é legal. Por tratar-se de nota técnica, ela tem por finalidade meramente complementar, termos técnicos em ato decisório. No caso, uma nota técnica jamais irá se sobrepor ao determinado no Código Penal”, afirma a advogada especialista em direito de família, Marcia Cutri.

O assunto, contudo, vai além da discussão legal. A questão também passa pela falta de oferta do serviço no país e, em alguns casos, a demora da mulher de identificar a gestação, em especial quando envolve o estupro de menores.

“Muitas vezes uma menina chega com 12 semanas e precisa ficar batendo de porta em porta de hospital para achar algum que faça o aborto. Aí chega uma hora que ela está com 24,25 semanas e precisa de um juiz que garanta esse acesso ao direito dela”, explica o médico Cristião Rosas, da Rede Médica pelo Direito de Decidir.

O ginecologista ressalta ainda que protocolos da Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendam que não deve existir um tempo limite para que o aborto seja realizado.

“A OMS não só recomenda a descriminalização, como também que não tenha limites de idade gestacional. Nos protocolos da organização estão as recomendações técnicas baseadas em evidências científicas. Existem várias notas técnicas que preveem cada caso”, diz Rosas.

Criança em risco

Um caso que comoveu o País há alguns anos envolveu uma criança de 10 anos, que havia engravidado após ser vítima de estupro pelo próprio tio.

Mesmo ela tendo o direito previsto em lei de interromper a gravidez não só pelo estupro, mas por correr risco de morte, o Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes, de Vitória, no Espírito Santo, se recusou a realizar o procedimento. Na época, o superintendente da unidade hospitalar disse que a negativa de realizar o aborto legal da menina, que estava grávida de mais de 22 semanas, foi “técnica”. Procurado, o hospital afirma que não realiza o procedimento após o prazo.

A família da criança, então, a levou para Recife, onde o procedimento foi realizado. Mesmo assim, a menina foi constrangida por um médico dentro da unidade de saúde.

A ginecologista Marcelle Thimoti afirma que alguns médicos da especialidade temem fazer o aborto acima das 22 semanas por represálias dos próprios colegas.

“Existe atualmente uma verdadeira perseguição a essas e tantas outras práticas da medicina baseada em evidências”, comenta. “Somos, inclusive, coagidos por outros colegas a não fazermos o procedimento. Isto é, quando a paciente tem acesso aos profissionais que fazem.”

Dados da pesquisa mais recente sobre serviços de aborto no país mostram que, em 2019, apenas 200 municípios brasileiros tinham oferta de aborto previsto em lei, ou seja, uma fração de 3,6% do total de municípios do País.

Mesmo moradoras da maior cidade do país enfrentam dificuldade no acesso ao aborto legal. Única unidade que oferecia o serviço acima das 22 semanas de gestação na capital de São Paulo, o Hospital Municipal e Maternidade da Vila Nova Cachoeirinha teve todos os procedimentos de aborto legal suspensos pela gestão municipal no fim de 2023. A justificativa foi a de aumentar a capacidade de realização de cirurgias na unidade.

A interrupção do serviço é alvo de questionamentos do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública de São Paulo, mas, conforme a secretaria municipal de saúde, o hospital não tem previsão de reabrir o atendimento.

 

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