Sábado, 01 de Novembro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 1 de novembro de 2025
“Uma Batalha Após a Outra”, de Paul Thomas Anderson, é um “não” empolgante, amalucado e seríssimo na telona – não à complacência, à opressão e à tirania. É um épico carnavalesco sobre o bem e o mal, violência e poder, direitos inalienáveis e luta contra a injustiça. E também é uma história de amor. O filme dialoga com fracassos passados e atuais, mas insiste na promessa do futuro. É brilhantemente dirigido, mas o que torna o longa revigorante é ele se envolver com seu próprio momento como poucos filmes americanos de ficção. Soa urgentemente chocante. Também é engraçado ao ponto de arrancar gargalhadas, mesmo que elas transbordem raiva.
“Uma Batalha Após a Outra” narra as desventuras de um glorioso bufão, Bob Ferguson, vivido por um Leonardo DiCaprio completamente à altura da burlesca ocasião: um guerreiro revolucionário que vira um terrorista procurado e um atencioso pai solteiro. Ambientada principalmente no presente, a história começa cerca de 16 anos antes, durante a explosiva passagem de Bob pelo French 75, um grupo radical com o mesmo nome de um canhão de artilharia e um drinque que a boate de Humphrey Bogart serve em Casablanca.
O cerne da história é o amor entre Bob e Perfidia Beverly Hills ( Teyana Taylor), membro carismática do French 75. Corajosa e intransigente, Perfidia arrepia o mundo inteiro. No início, Bob segue avidamente seu comando durante o ataque do grupo a um centro de detenção de imigrantes onde, na calada da noite, eles e outros insurgentes desarmam guardas militares e libertam uma multidão de homens, mulheres e crianças. É lá também que Perfidia encontra pela primeira vez seu rival, o coronel Steven J. Lockjaw (um ótimo Sean Penn), que ela domina facilmente com uma arma em punho e um comando incomum: ela ordena que Lockjaw, sentado, se levante, um ditame que ele obedece com uma ereção – que, comicamente, arma uma barraca em suas calças.
É um momento crucial e uma cena absurda, que Anderson explora ao máximo do ridículo filmando a ereção de baixo para cima, para que o soerguimento se destaque na cena, enfatizando o desfavor de Lockjaw diante de Perfidia. Ele não está mais no controle dos detentos nem de seu próprio corpo, e certamente não controla ela. Perfidia desarma efetivamente Lockjaw, o que instiga nele um louco e perverso desejo por ela. Ao forçar Lockjaw a obedecer, Perfidia desafia um regime de poder que remonta à exploração sexual violenta de mulheres negras escravizadas por homens brancos, que os vilões do filme querem manter. Lockjaw passa o resto do filme tentando reafirmar sua supremacia.
Adaptação
O filme foi inspirado no romance Vineland, de Thomas Pynchon, de 1990, no qual Anderson se baseou livremente para seus singulares objetivos. O livro começa em 1984, quando Ronald Reagan conquistou seu segundo mandato como presidente, na esteira da “Repressão Nixoniana”. As coisas evoluem para os sobreviventes dos pós-60, batizados comicamente. Ainda que “o pessoal tenha mudado, a Repressão continuou crescendo, mais ampla, mais profunda e menos visível”, observa um personagem.
Impotência
Tendo ido para a clandestinidade anos antes, Bob agora vive com sua filha, Willa (a novata Chase Infiniti), em uma casa no norte da Califórnia (claro), essa terra de sequoias, maconhas e paranoias. Lá, ele bebe muito e fuma muita erva – com a fumaça ao redor de seu rosto permanentemente confuso e seu minúsculo rabo de cavalo pendendo flacidamente como um símbolo de sua impotência. Seu ardor se foi, assim como Perfidia, que o deixou há muito. Para passar o tempo, ele assiste ao filme de 1966 de Gillo Pontecorvo, A Batalha de Argel, sobre a luta da Argélia por independência.
É fácil rir de Bob, mas há um quê de patético em seus fracassos pessoais e geracionais. Mas Anderson não está interessado na nossa piedade (isso seria um truque barato), e tanto o personagem quanto a performance fisicamente grandiosa de DiCaprio – uma força cômica da natureza – impedem que a gente alivie para Bob. Você vê o personagem, mas nunca entra profundamente em sua mente, em parte porque Bob também nunca o faz.
O que redime Bob é o amor: o amor dele por Willa e o amor dela por ele, que iluminam o restante do filme. É o amor que une pai e filha, criando uma conspiração de dois, que ajuda a fazer de Willa quem ela é e que provavelmente impede Bob de desaparecer de vez. (Opinião/O Estado de S. Paulo)