Terça-feira, 16 de Dezembro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 16 de dezembro de 2025
No dia 17 de dezembro de 1926 nasceu em Porto Alegre um homem que mudaria para sempre a forma como o Brasil pensa sua relação com a natureza: José Lutzenberger, o Lutz. Se estivesse vivo, em 2025 completaria 99 anos, e em 2026 celebraremos o centenário de seu nascimento. Sua vida foi marcada por uma inquietação filosófica e prática: como reconciliar o ser humano com o planeta que o sustenta?
Filho de imigrantes alemães, formou-se em agronomia e cedo percebeu que a agricultura moderna, baseada em insumos químicos e monoculturas, estava destruindo o solo e a biodiversidade. Trabalhou por anos em empresas de fertilizantes, mas abandonou esse caminho para se tornar um dos mais combativos ambientalistas do país.
Em 1971, fundou a Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural), que se tornaria referência no ativismo ecológico brasileiro. Foi nesse período que liderou a luta contra a fábrica Borregaard, em Guaíba, acusada de poluir gravemente o rio e o ar da região.
A mobilização popular, impulsionada por sua voz firme, levou ao fechamento da empresa — o episódio marcou um divisor de águas na consciência ambiental do Rio Grande do Sul.
Nos anos 1980, Lutzenberger ampliou sua atuação. Criou a Fundação Gaia, inspirada na teoria do cientista britânico James Lovelock, que via a Terra como um organismo vivo capaz de autorregular suas condições para manter a vida.
O nome Gaia, que remete à deusa grega da Terra, simbolizava essa visão holística. Em Pantano Grande, transformou uma área degradada pela mineração em um espaço de regeneração ecológica e educação ambiental: o Rincão Gaia, onde hoje repousam seus restos mortais. Ali, a paisagem renascida é testemunho de sua crença de que a natureza pode se recuperar quando cuidada com respeito.
Em 1990, foi convidado para assumir a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República no governo Collor. De dentro do poder, tentou implementar políticas de conservação e combate à poluição, sem jamais perder sua postura crítica e independente. Sua trajetória lhe rendeu prêmios internacionais, como o Right Livelihood Award em 1988, conhecido como “Nobel Alternativo”, reconhecimento por sua dedicação incansável à causa ecológica.
Mas Lutz não foi apenas ativista e gestor público: foi também escritor e filósofo. Entre suas obras mais conhecidas estão Manifesto Ecológico Brasileiro (1976), Fim do Futuro? Manifesto Ecológico da América Latina (1980), Ecologia & Libertação (1981), Um Futuro Comum (1987), Gaia, o Planeta Vivo (1990) e O Manifesto Ecológico (1992).
Em seus livros, denunciava a “civilização do desperdício” e defendia uma nova ética ambiental, onde progresso não se mede apenas por índices econômicos, mas pela harmonia entre sociedade e natureza. Sua escrita, ao mesmo tempo científica e poética, continua sendo fonte de inspiração para quem deseja compreender a profundidade de sua visão.
Entre seus amigos e aliados estavam Ailton Krenak, líder indígena, e Chico Mendes, seringueiro assassinado em 1988. Lutzenberger foi fundamental para dar visibilidade internacional à luta de Mendes, denunciando nos anos 1980 o papel de instituições como o Banco Mundial e o FMI, que financiavam projetos de colonização predatória na Amazônia.
Foi nesse contexto Lutz ajudou a projetar Chico Mendes como símbolo da resistência dos seringueiros, defendendo a extração sustentável do látex. Após seu assassinato, a voz respeitada de Lutz ajudou a transformar Mendes em ícone mundial, evitando que fosse apenas mais uma vítima esquecida das injustiças sociais brasileiras.
Em 2002, aos 75 anos, Lutz partiu. Mas sua presença permanece. Na COP30, realizada em Belém em 2025, um painel cultural foi dedicado à sua memória, reafirmando que seu legado é parte da consciência ambiental global. Sua mensagem, de que não há futuro sem respeito à Terra, ecoa com ainda mais força em tempos de crise climática.
Hoje, ao nos aproximarmos de seu centenário, é impossível não reconhecer que Lutzenberger estava muito à frente de seu tempo. Suas ideias, antes vistas como radicais, são agora reconhecidas como visionárias. Ele nos ensinou que a Terra não é recurso, mas lar; que progresso sem equilíbrio é ruína; e que a luta pela justiça ambiental é inseparável da luta pela justiça social.
Seguir o caminho de Lutz é optar por uma consciência ambiental lúcida e pragmática, sem concessões ao imediatismo. É escolher um horizonte seguro de contribuição em um momento crítico, onde a crise climática exige vozes confiáveis e interlocutores éticos. Para este colunista, ecoar sua voz é uma honra: Lutzenberger nos mostrou que a vida só floresce quando cuidamos da Terra como parte de nós mesmos.
Que em 2026, no centenário de seu nascimento, seu nome seja celebrado em todo o país. Que sua mensagem continue a iluminar gerações. Porque Lutz não morreu: transformou-se em semente. E sementes, quando bem cuidadas, florescem eternamente.
* Renato Zimmermann é desenvolvedor de negócios sustentáveis e ativista da transição energética