Domingo, 15 de Setembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 26 de fevereiro de 2023
Após 40 anos como diretor de cinema, Fernando Meirelles resolveu dar uma “guinada de carreira”. A mudança parece sutil, mas é tão significativa quanto a transformação de Dadinho em Zé Pequeno. Meirelles, ele diz, quer voltar a ser apenas diretor de cinema. Só isso, nada mais.
Foi o diretor Meirelles que levou às telas filmes como “Cidade de Deus” (2002), “O jardineiro fiel” (2005), “Ensaio sobre a cegueira” (2008) e “Dois papas” (2019). Mas também foi ele, em seu papel de produtor, que ajudou a lançar obras variadas e bem-sucedidas, como “Marighella” (2019, de Wagner Moura) e “O banheiro do papa” (2007, de César Charlone). Agora, ele pretende focar mais em seus projetos do que nos dos outros.
De Los Angeles, onde dirige duas séries para streaming — “Sugar” (Apple TV+) e “The Sympathizer” (HBO Max). Em entrevista ao jornal O Globo, avaliou o mercado brasileiro, disse que não acredita mais na retomada das salas de cinema, revelou detalhes sobre a série spin-off de “Cidade de Deus” e contou que não votou no Oscar porque se esqueceu de pagar a anuidade.
1) Seu primeiro longa-metragem como diretor, “Menino Maluquinho 2: A Aventura”, foi lançado há 25 anos. Seus primeiros curtas-metragens são de 1983, foram lançados há 40 anos…
Pô, eu tô velho, não publica isso, não (risos). Eu comecei com vídeo independente, acho que em 1982 eu já fazia vídeos e ganhei uns prêmios. Já estou na estrada há um tempinho.
2) Você ainda sente a mesma paixão pelo cinema?
Eu sinto. Esse meu tempo fazendo streaming em Los Angeles me mostrou que o que eu gosto de fazer é dirigir. Gastei muito tempo da minha vida produzindo um monte de coisa. E só caiu a ficha quando eu cheguei aqui em Los Angeles no ano passado. É muito gostoso: vou para o set, falo com os atores, penso onde fica a câmera, depois como monta, que música usar…. É isso que gosto de fazer. Não vou falar que me arrependo de alguma coisa, mas posso dizer que estou numa guinada de carreira: quero ser só diretor, não quero mais produzir. Estou aqui, isolado, sem todos os problemas de sempre, só focado em dirigir. Como a vida fica boa. Adoro isso. A paixão não morreu. Eu tirei a produção da frente, e ficou gostoso de novo.
3) Há quanto tempo você está em Los Angeles?
Ano passado fiquei do meio de maio até o fim de novembro, filmando “Sugar”. É uma série com o Colin Farrell, e talvez a Apple aproveite para lançar logo caso ele ganhe o Oscar (Farrell concorre por “Os banshees de Inisherin”). Depois voltei para cá, para fazer um episódio de “The Sympathizer”, com o Robert Downey Jr.. O roteiro é em cima do livro (do escritor Viet Thanh Nguyen, publicado no Brasil como “O simpatizante”), e a história é sobre comunidades vietnamitas de Los Angeles, em 1977. Quem me convidou foi o Niv Fichman, que é meu amigo e produziu “Ensaio sobre a cegueira”. Estou há dois meses e meio, fico sozinho num apartamentinho. Acho bom, saio um pouco da minha vida, penso em algumas coisas, observo o Brasil de longe.
4) Como você vê o mercado do cinema brasileiro hoje?
O Brasil viveu uma situação há poucos anos em que nem o agronegócio crescia tanto quanto o audiovisual. A gente saiu de oito, dez filmes nacionais lançados por ano, para mais de cem. Nenhuma área da economia do Brasil teve esse crescimento. Mesmo recentemente, quando acabou o dinheiro público para o cinema, a atividade não foi reduzida porque entrou o dinheiro das plataformas, foram elas que passaram a financiar o audiovisual. E, agora, há uma tendência de o dinheiro público entrar de novo. A Ancine está se reestruturando, o Ministério da Cultura está se reestruturando. Então nós teremos as plataformas e o dinheiro público para a construção de projetos.
5) As plataformas sentiram o peso da crise mundial e frearam o altíssimo investimento que vinham fazendo. Isso tem afetado a produção?
Sim, elas não estão produzindo tanto, deram uma segurada. Os comentários em todo o mundo é que os orçamentos das plataformas ficaram mais restritos do que eram anos atrás, e no Brasil não é diferente. Mas elas ainda estão investindo. O importante é que tem muita gente pensando cinema, o que aumenta a chance de termos filmes geniais. O audiovisual é um espelho do país, e isso está em alta.
6) E quanto às salas de cinema? Elas voltarão a ter o público que tinham antes da covid?
Aí não, as salas de cinema não vão se recuperar, não vamos ter de novo os números que tínhamos. Pessoalmente, eu prefiro assistir a um filme numa sala, mas o hábito das pessoas mudou. Antes era mainstream: assim que estreava um filme, todo mundo ia. Agora só vão alguns. Isso não significa que a sala de cinema vai acabar, mas ela caminha para ser um nicho. Quando inventaram a fotografia, falaram que acabaria a pintura. Depois, na época do vídeo, disseram que acabaria a fotografia. Não acabaram. A sala de cinema será um nicho, mas não vai acabar.
No Ar: Pampa Na Madrugada