Terça-feira, 16 de Abril de 2024

Home Variedades Morre o poeta Thiago de Mello, 95 anos, um dos maiores autores da sua geração

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Morreu na manhã desta sexta-feira (14) aos 95 anos, o poeta, tradutor e ensaísta amazonense Thiago de Mello, de causas naturais. Ele faleceu em casa, em Manaus. Segundo a família do autor, o enterro está previsto para este sábado (15) pela manhã, em horário ainda a ser definido.

Nascido em Barreirinha, no Amazonas, em 30 de março de 1926, Mello foi um dos grandes poetas de sua geração. Traduzido em mais de 30 idiomas e com 70 anos de produção literária, ele trabalhou como editor, jornalista e diplomata.

Um de seus poemas mais famosos é “Os estatutos do homem (Ato Institucional Permanente)”. Escrito após o golpe de 1964, é uma resposta ao mesmo tempo singela e poderosa ao Ato Constitucional I. O decreto tinha como objetivo afastar qualquer forma de oposição e legitimar o regime, possibilitando a cassação de mandatos legislativos, a suspensão de direitos políticos e o afastamento de servidores públicos.

Mello respondeu com um ato insitucional poético e “permanente” de 14 artigos. Já no primeiro anunciava: “Fica decretado que agora vale a verdade/ agora vale a vida, e de mãos dadas, marcharemos todos pela vida verdadeira”. E, no Artigo Final: “A partir deste instante/ a liberdade será algo vivo e transparente/ como um fogo ou um rio,/ e a sua morada será sempre/ o coração do/ homem.” Traduzido por Pablo Neruda, que foi um dos grandes amigos de Mello, o poema se tornou mundialmente conhecido como arma contra a ditadura.

Após o decreto, Mello renunciou ao posto de adido cultural no Chile, cargo que ocupava na época. Ele voltaria ao Brasil para combater a ditadura em 1965, mas acabaria preso logo após descer do avião. Em novembro daquele ano, participou de uma manifestação de intelectuais em frente ao hotel Glória, no Rio, durante a abertura da II Conferência Extraordinária da Organização dos Estados Americanos (OEA), na qual falaria o presidente Castello Branco.

O ato, que ficou conhecido como “os oito da Glória”, resultou na prisão de Glauber Rocha, Carlos Heitor Cony e Joaquim Pedro de Andrade, entre outros. Mello escapou, mas acabou se apresentando às autoridades em seguida. Ele foi libertado após um mês.

Apesar de ter mobilizado um grupo pequeno, a manifestação atraiu a atenção de repórteres e causou grande repercussão. O episódio levou os militares a fortalecerem o cerco a artistas e intelectuais no país.

Quatro anos depois, o poeta entrou para a clandestinidade, após seu envolvimento com o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR). Mais uma vez, exilou-se no Chile, onde ficou até a ascensão de Augusto Pinochet, em 1973. Mello traduziu para o português o Nobel de Literatura Pablo Neruda, com quem conviveu no Chile.

Outro conhecido poema de Mello é “Faz escuro, mas eu canto, / Porque a manhã vai chegar”, publicado em “A madrugada camponesa” (1965). Os versos inspiraram a 34º Bienal de Sâo Paulo, de 2020, que homenageou o poeta.

Um dos maiores poetas da nossa história

Amigo de Mello, o escritor Milton Hatoum descreveu o autor dos “Estatutos do homem” como alguém “generosos” e “esperançoso” e que, justamente por não temer o regionalismo, tornou-se um poeta universal.

“A obra de Thiago tem duas vertentes, a social e a lírico-amorosa. Ambas são águas de um mesmo grande rio”, explica Hatoum.  “Ele nunca teve medo de usar expressões muito amazônicas em seus versos, como nomes de pássaros e de frutas. Não tinha medo de ser regionalista. E de fato não era. Conseguiu ser universal porque tinha paixão pelo lugar onde vivia.”

Hatoum lembra que Mello foi pioneiro da defesa do meio ambiente e dos povos indígenas e, de cabeça, cita os versos finais do poema “A terra traída”, incluído no livro “Acerto de contas”, de 2015: “quando queimam a mata, enlouquecidos de pavor, os pássaros se esquecem dos seus cantos”. Hatoum destaca “A terra traída” como um dos pontos altos da carreira de Mello, poeta de versos límpidos que dominava como poucos a métrica.

“Acerto de contas” reúne poemas sobre o amor, a natureza e homenagens a amigos de Mello, como os poetas Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Mello Neto, o ambientalista Chico Mendes e a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Há também um poema inspirado em “Relato de um certo Oriente”, romance premiado de Hatoum.

“Thiago teve uma trajetória bonita como cidadão e poeta”, diz Hatoum, que lembra que, nos últimos anos, Mello andava melancólico com a “barbárie” que tomou conta de Manaus. “Mas o que fica é a gratidão pela amizade dele. As coisas que Thiago mais prezava eram a poesia, a amizade e a natureza.”

Escritores e políticos foram às redes sociais lamentar a morte de Mello. “O lorde Thiago de Mello nos deixou…Deixou? Não. Deixou saudades. Deixou poesia. Deixou sonhos. Deixou esperanças. Deixou a lembrança de que ‘Faz escuro, mas eu Canto’”, tuitou o escritor indígena Daniel Munduruku. “Sua ausência faz escuro…Sua arte, nos traz Luz.”

O escritor gaúcho Fabrício Carpinejar publicou, no Facebook, um poema em homenagem a Mello, intitulado “Estatuto do poeta”. “Fica decretado hoje o luto das árvores, das pedras, dos barcos no Amazonas. Ninguém pode entrar na floresta – a brisa está em carne viva. Ninguém pode pescar – os peixes estão chorando e subindo a maré. Acabou de partir para o infinito um dos maiores poetas da nossa história, Thiago de Mello, 95 anos, traduzido por Neruda, conhecido em mais de trinta idiomas”, escreveu. “Não se morre mais depois de ler um poema de Thiago de Mello.”

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