Segunda-feira, 03 de Novembro de 2025

Home Geral O Brasil tem de decidir se as facções criminosas ainda são apenas caso de polícia ou se são os inimigos em uma guerra

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A operação policial que provocou mais de cem mortes nos Complexos da Penha e do Alemão, na zona norte do Rio, colocou o País diante de um debate inadiável. O Brasil precisa decidir se o avanço do poder bélico e financeiro das grandes organizações criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), ainda pode ser enfrentado como uma questão ordinária de segurança pública, ou se já estaríamos numa situação de “conflito armado não internacional” – que em alguns casos pode ser chamado também de guerra civil –, o que demandaria uma abordagem substancialmente diferente da atual.

Esse debate precisa ser travado sem embaraços ideológicos ou políticos, porque o resultado afetará a todos. E, sobretudo, seja qual for a escolha democrática que se faça, roga-se que a violência do crime organizado não sirva de pretexto para a supressão de direitos e a adoção de medidas de caráter excepcional, ao arrepio das leis e da Constituição. Mesmo as guerras – se decidirmos que estamos em uma – têm regras.

A confusão conceitual que envolve o combate ao crime organizado ficou evidente. O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), por exemplo, afirmou que a polícia não enfrenta mais traficantes comuns, e sim “narcoterroristas”, e as autoridades de segurança dizem que a polícia está lutando uma “guerra irregular”. A nomenclatura não é acidental: na prática, se o Rio está em “guerra” e se o inimigo é “terrorista”, o uso da força para matar, e não para prender, estaria justificado – o que tiraria a questão do terreno da segurança pública e a transformaria num problema militar.

Considerando a percepção crescente de que o Estado perdeu o controle sobre largas porções de seu território, nas quais vigora a lei das facções, e que estas constituem hoje verdadeiros exércitos não raro mais bem armados que a polícia, as leis atuais e o ferramental à disposição das autoridades para o enfrentamento desse fenômeno são claramente insuficientes.

Eis por que uma pergunta crucial para o futuro do País se impõe: PCC e CV são problemas de polícia ou se tornaram um ataque à soberania nacional? A resposta definirá tanto o tipo de técnica operacional que o Estado deve adotar, como, sobretudo, o arcabouço jurídico apto a legitimá-la. Se se trata de segurança pública, operações policiais como a que houve no Rio são inúteis. É preciso mudar os métodos de ação e adequar as leis ao avanço do crime, sempre considerando que os criminosos devem ser prioritariamente presos, e não eliminados.

Se, ao contrário, o País reconhece que está diante de um conflito entre forças estatais e grupos organizados com estrutura hierárquica e capacidade militar, então a questão muda de natureza. Será preciso aprovar um novo marco legal, instrumentos operacionais específicos e protocolos compatíveis com a legislação internacional em vigor sobre esse tipo de combate. Hoje, o Brasil não dispõe desse arcabouço. Do ponto de vista operacional, o emprego das Forças Armadas em operações de Garantia da Lei e da Ordem para prover segurança pública urbana é sabidamente ineficaz há décadas.

A premência desse debate impõe mais responsabilidade. As discussões não podem se orientar pelas paixões ideológicas nem serem instrumentalizadas por conveniências políticas de ocasião. A disputa eleitoral que se avizinha é terreno fértil para o populismo de viés autoritário nessa seara. O discurso da “guerra ao crime” seduz uma sociedade esgotada pelo medo, mas é perigoso. No limite, pode levar a excessos e ilegalidades que agravam a violência que se pretende combater, sem que o problema se resolva. Por outro lado, a recusa em reconhecer as reais dimensões do CV e do PCC – tratando as facções como mera questão de segurança pública – pode retardar a adoção de medidas que, de fato, tenham o condão de resolver o problema de uma vez por todas. Entre o belicismo exacerbado e a tibieza, há uma via racional e republicana que o País precisa encontrar.

O Estado deve agir com firmeza, mas também com legitimidade. E, para isso, precisa primeiro saber com clareza o que está enfrentando. O combate ao crime organizado exige estratégia, coordenação e propósito – e isso deve ser pactuado por todos, como nação. (Opinião/Jornal O Estado de S. Paulo)

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