Quinta-feira, 11 de Dezembro de 2025

Home Colunistas O emburrecimento de uma geração

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Em 2025, a discussão sobre o impacto das redes sociais e da inteligência artificial no desenvolvimento infantil tornou-se urgente. Não se trata de tecnofobia, mas do reconhecimento de que hábitos de consumo e escolhas de design tecnológico moldam cérebros em formação. Entre 9 e 13 anos, o cérebro consolida atenção sustentada, memória de trabalho e linguagem, habilidades que se fortalecem com prática deliberada. Quando o estímulo dominante é fragmentado e passivo, perde‑se treino cognitivo essencial.

Um estudo publicado na JAMA Network em 2025 acompanhou 6.554 pré-adolescentes e encontrou associação entre maior tempo em redes sociais e desempenho inferior em leitura, memória e vocabulário. No Brasil, o IBGE divulgou em julho de 2025 que 88,9% da população de 10 anos ou mais já possuía celular em 2024, ampliando o acesso precoce de crianças às plataformas digitais e, consequentemente, à cultura dos vídeos curtos e das interações rápidas que pouco exigem esforço cognitivo. Esses números revelam a dimensão do fenômeno e ajudam a explicar por que professores relatam dificuldades crescentes em manter a atenção dos alunos e estimular práticas de leitura profunda.

Redes sociais e IA podem moldar cérebros em formação, tornando essencial orientar o uso de tecnologia.

Dados recentes e relatos pedagógicos reforçam a preocupação. Estudos divulgados neste ano associaram maior tempo em redes sociais a desempenhos inferiores em leitura, memória e vocabulário entre pré-adolescentes. Professores observam que turmas muito expostas a atalhos digitais mostram menos iniciativa para formular hipóteses, checar fontes e sintetizar ideias. Esses sinais, aliados à plausibilidade neurobiológica, exigem que o fenômeno seja tratado como questão pública que demanda resposta.

Experiências internacionais reforçam a necessidade de resposta. Relatórios da Finnish National Agency for Education mostraram que programas de literacia digital implementados em 2025 reduziram riscos cognitivos sem restringir acesso à tecnologia, ao passo que o Ministério da Educação de Singapura destacou iniciativas semelhantes voltadas para o uso responsável de ferramentas digitais em sala de aula. Esses exemplos demonstram que políticas públicas bem desenhadas podem equilibrar inovação e proteção, oferecendo às crianças ambientes digitais que ampliem capacidades em vez de substituí-las por atalhos cognitivos.

É preciso separar conceitos. Nem toda inteligência artificial é igual. Ferramentas assistivas personalizam exercícios, propõem problemas graduais e oferecem feedback que estimula a reflexão. Já aplicações substitutivas geram textos prontos, fazem resumos automáticos e respondem perguntas sem exigir verificação crítica. O risco maior surge quando a modalidade substitutiva se torna rotina escolar, prejudicando a consolidação da memória por recuperação ativa, a atenção sustentada e o raciocínio lógico.

Além do impacto cognitivo, há efeitos socioemocionais significativos. A atenção fragmentada dificulta conversas longas, percepção de sutilezas emocionais e autocontrole. Leitura profunda e diálogo crítico alimentam empatia e resiliência; substituí-los por interações rápidas empobrece também o repertório social das crianças. O que está em jogo não é apenas desempenho escolar, mas a capacidade de participar de forma plena na vida coletiva.

A evidência científica ainda debate causalidade e mecanismos. Muitos estudos são associativos e poucos oferecem provas experimentais definitivas. Mesmo assim, a convergência de achados de neurociência, levantamentos comportamentais e relatos de educadores torna a hipótese preocupante e plausível. O Princípio da Precaução recomenda intervenções proporcionais: não se trata de proibir tecnologia, mas de regular seu uso e orientar práticas que preservem janelas de desenvolvimento sensíveis.

Medidas práticas e proporcionais podem ser adotadas de imediato. A literacia digital nos currículos deve ir além da segurança online, ensinando leitura crítica, verificação de fontes e uso reflexivo de IA. A rotina escolar precisa incluir blocos de leitura profunda e períodos sem telas para treinar atenção e memória ativa. Plataformas menores devem passar por avaliações independentes de impacto neurocomportamental e de usabilidade ética. Regulamentações de dados e design devem limitar coleta de informações e proibir práticas de design viciantes, garantindo controles parentais auditáveis.

Essas medidas não impedem inovação, mas orientam sua aplicação. Ferramentas assistivas podem sugerir perguntas em vez de respostas prontas, propor caminhos de investigação e modular o ritmo de entrega de conteúdo para favorecer atenção prolongada. Experiências internacionais mostram que literacia digital combinada com design cuidadoso reduz riscos sem restringir o acesso à tecnologia, demonstrando que regulação e inovação podem caminhar juntas.

No plano escolar, ações simples podem ser implementadas imediatamente. Exigir rascunho manuscrito antes da redação final estimula elaboração, usar IA apenas como feedback que sugira perguntas preserva esforço cognitivo e sessões semanais de leitura silenciosa treina atenção e amplia vocabulário. Essas práticas fortalecem memória, argumentação e síntese.

A equidade deve guiar políticas públicas. Crianças em contextos vulneráveis sofrem mais com perda de treino cognitivo por menor acesso a estímulos compensatórios. Políticas devem financiar bibliotecas, clubes de leitura e programas de tutoria, transformando a regulação em instrumento de justiça social, não em barreira de acesso.

Objeções previsíveis, como falta de causalidade definitiva ou alegação de limitação à inovação, são respondíveis. As medidas propostas são proporcionais, monitoradas e revisáveis. Elas não proíbem, mas orientam e empoderam famílias e escolas. A regulação bem desenhada amplia o potencial da tecnologia sem sacrificar desenvolvimento cognitivo.

A escolha em 2025 é ética e política. Podemos deixar que algoritmos e modelos de negócio definam como as próximas gerações aprendem ou orientar tecnologia e educação para ampliar capacidades humanas. Precisamos agir para que a próxima geração aprenda a pensar, refletir e não apenas consumir respostas prontas. O futuro das crianças depende de decisões que tomamos hoje.

* Régis de Oliveira Júnior, jornalista, pesquisador e especialista em Inteligência Artificial

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