Quarta-feira, 03 de Dezembro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 3 de dezembro de 2025
A obesidade tem sido amplamente reconhecida como um dos maiores desafios globais de saúde pública, afetando milhões de pessoas e contribuindo para o desenvolvimento de graves comorbidades metabólicas, como diabetes tipo 2, hipertensão arterial, doença cardiovascular e disfunção hepática. No entanto, estudos recentes têm demonstrado uma nova e importante peça no quebra-cabeças da obesidade: as alterações epigenéticas.
Alterações epigenéticas, como a metilação do DNA e modificações em histonas, atuam como reguladores dinâmicos do funcionamento genético sem alterar diretamente a sequência do DNA. Estes mecanismos são altamente influenciados pelo ambiente – incluindo alimentação, níveis de atividade física, hábitos de vida e exposição a fatores ambientais detrimentais, como poluentes e disruptores endócrinos. Essas mudanças podem moldar o metabolismo e a saúde de forma profunda, com impactos que, muitas vezes, se estendem por gerações.
Vamos explorar como essas descobertas podem ser relevantes não apenas para a regulação metabólica, mas também para a prevenção e manejo das doenças cardiovasculares.
A obesidade é resultado de um desequilíbrio crônico de energia causado por fatores como alimentação inadequada, falta de atividade física, aspectos genéticos e, mais recentemente reconhecido, influências epigenéticas. Esses fatores epigenéticos podem:
1. Aumentar a inflamação sistêmica: padrões alterados de metilação e modificação de histonas em moléculas reguladoras podem amplificar processos inflamatórios em tecidos-chave como o fígado e o tecido adiposo. Isso contribui para a resistência à insulina e promove aterosclerose.
2. Promover acúmulo de gordura visceral: mutações epigenéticas impactam genes envolvidos no armazenamento de lipídios e na regulação da sensibilidade à insulina, fatores diretamente ligados ao risco cardiovascular.
3. Reduzir a função mitocondrial: observou-se que alterações estruturais em genes epigeneticamente modulados diminuem a capacidade das mitocôndrias de metabolizar gorduras e carboidratos, promovendo ainda mais o acúmulo de gordura corporal e inflamação metabólica.
Esses processos não apenas pioram o quadro metabólico, mas também colocam os pacientes em risco elevado para infarto do miocárdio e outras doenças cardiometabólicas.
A boa notícia é que as alterações epigenéticas são, em grande parte, reversíveis com intervenções no estilo de vida. Pesquisas destacam que:
* Atividade física regular tem um impacto positivo nas marcas epigenéticas relacionadas ao metabolismo muscular e sensibilidade à insulina. Ela também reduz a inflamação sistêmica e melhora os índices cardiovasculares.
* Dieta equilibrada rica em nutrientes essenciais como folato, metionina, e vitaminas do complexo B pode influenciar positivamente a metilação do DNA, reduzindo o risco de obesidade e doenças cardíacas.
* Redução do estresse oxidativo: estudos mostram que estratégias como alimentação anti-inflamatória e controle do estresse por exercícios de mindfulness ajudam a equilibrar os marcadores epigenéticos e a proteger o sistema cardiovascular.
Um importante exemplo de intervenção benéfica é o exercício físico, que demonstrou alterar positivamente os padrões epigenéticos nos músculos esqueléticos, favorecendo a flexibilidade metabólica e reduzindo fatores associados à síndrome metabólica.
As doenças cardiovasculares têm vínculos profundos com alterações metabólicas. Resistência à insulina, acúmulo de gordura visceral e inflamação – modulados por mecanismos epigenéticos – são componentes críticos no desenvolvimento de condições como aterosclerose, hipertensão e insuficiência cardíaca.
Um aspecto especialmente preocupante é o efeito sanfona, comum em pacientes com obesidade que perdem e ganham peso repetidamente sem a integração de estratégias duradouras, como dieta saudável e exercício. Estudos demonstraram que o efeito sanfona está associado a mudanças permanentes no epigenoma, levando a maior risco metabólico e cardiovascular.
Além disso, nas últimas décadas, as evidências têm sugerido que a obesidade materna pode influenciar o epigenoma de futuras gerações, predispondo a descendência a fatores de risco cardiovascular desde o nascimento.
O avanço nas pesquisas epigenéticas abre novos caminhos para intervenções terapêuticas personalizadas e mais eficazes. Estudos estão explorando o uso de:
1. Epigenética como preditor de risco cardiovascular: perfis de metilação do DNA em tecidos acessíveis, como sangue periférico, já são usados para prever risco metabólico e podem ser expandidos como ferramentas preditivas cardiovasculares.
2. Fármacos “epi-drugs”: compostos que modulam metilases e desacetilases de histonas estão sendo desenvolvidos para combater os danos metabólicos da obesidade, potencialmente revertendo fatores de risco cardiovascular.
Como cardiologista, compreendo que a personalização do tratamento, considerando o perfil metabólico e epigenético de cada paciente, será parte fundamental do futuro da medicina cardiovascular. Ela nos levará a tratamentos mais precisos e preventivos para doenças metabólicas e cardíacas.
Em última análise, compreender a conexão entre a saúde metabólica, a epigenética e o coração é essencial para enfrentar a epidemia de obesidade e suas complicações cardiovasculares. As alterações epigenéticas funcionam como um elo dinâmico entre o ambiente e nosso organismo, e otimizar fatores como dieta, exercício e controle metabólico pode reverter muitos dos impactos negativos que ameaçam nossa saúde cardíaca.