Sábado, 08 de Novembro de 2025

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“Você pode fazer seu próprio inferno ou paraíso, viver como quiser”, diz a música da banda Madness. “Desde os mais pobres até as maiores estrelas — os poetas, os encanadores, os pintores, os instaladores e os eletricistas — do centro até seus pontos mais afastados”. A convivência de opostos que Londres abriga tem camadas que dificultam a expressão.

O cenário é um labirinto de possibilidades: você escolhe as experiências que deseja viver, o ambiente que quer explorar e o estilo de vida que irá adotar. A capital do Reino Unido normalmente é tida como o ápice do cosmopolitismo, mas lá essa mistura ganha cheiro, sotaque, cores, sabores e texturas, A impressão é de infinito. A cada esquina, um rumo possível.

A multiplicidade é orgânica e generosa. A história vive na arquitetura, na estrutura da cidade, nos nomes das ruas, nos museus e nos mercados; a alta moda encontrou morada nas vitrines de Bond Street; o metrô abriga, no mesmo banco, o homem de terno e a menina do cabelo azul; as árvores emolduram a cidade, e os parques e jardins históricos fazem Londres respirar mais forte. Ironicamente, juntos tiram o folego de quem a visita.

Um lugar para os livres de espírito, onde se pode fugir do padrão sem medo de julgamentos. A falta do olhar do próximo nasce de uma indiferença civilizada, talvez produtiva — o famoso each to their own dos londrinos, acostumados a ver de tudo e incrustados nessa realidade diversa.

É embarcar no ônibus vermelho para se ter a sensação de visitar várias cidades em um único trajeto. Uma parada, um mundo. A primeira é Hampstead, com seus prédios georgianos alinhados como páginas de um livro antigo, casacos bem cortados e passos discretos, elegantes. Descendo um pouco, Camden Town rompe o silêncio com a música, as performances na rua e o chiado da fritura vindo do mercado — um mosaico de criações, especiarias, arte e liberdade assumida, sem pedir aprovação. Mais adiante, Russel Square é um refúgio elegante e bem situado, no coração da cidade — talvez por isso tenha sido o palco de um dos capítulos decisivos da construção do pensamento moderno: o Bloomsbury Group, de Virginia Woolf, Vanessa Bell e seus contemporâneos, que romperam com a rigidez da era vitoriana e ousaram viver de acordo com o que pensavam, transformando o cotidiano em arte e a liberdade em princípio de vida.

Entre pensamento e movimento, a cidade muda de tom: as vitrines piscam, e Londres reafirma seu lugar como palco do consumo e da moda — uma verdadeira tentação. Ao fundo do burburinho, o som de uma guitarra escapa do pub escondido em alguma calma ruela lateral, dessas que resistem ao tempo, onde o presente luminoso se desfaz e o passado espesso desperta, deixando no ar o cheiro da história dessa capital que moldou o mundo moderno. Sob tudo isso, corre o metrô apressado, cruzando a enorme cidade e levando milhões aos seus destinos.

O forte apego à tradição se une à modernidade influente em uma costura invisível e resistente, feita nas camadas mais profundas. Não há espaço para a monotonia — a terra pulsa em contrastes que também habitam quem a observa. Há algo de intenso nessa sensação, como se o lugar guardasse um sentido secreto em sua contradição. Londres parece traduzir o próprio ser humano: feito de polaridades, memórias e reinvenções. Há dias de silêncio e introspecção, outros de ruído e brilho. Talvez seja justamente esse espelho — essa ressonância entre a cidade e nós próprios — o seu maior encanto.

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