Sexta-feira, 21 de Novembro de 2025

Home Política Projeto de lei contra o crime organizado pode abrir brechas para favorecer criminosos

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Especialistas ouvidos pelo jornal Valor concordam que, caso o texto do Projeto de Lei Antifacção aprovado na Câmara dos Deputados seja sancionado sem alterações, isso pode abrir brechas para que as defesas de acusados de participar de organizações criminosas tentem evitar o enquadramento de clientes em tipificações criadas pela nova lei.

A advogada Thais Tereciano diz que esse problema acaba sendo comum no Brasil porque os legisladores têm um “apreço muito especial por criar leis baseando-se em pautas midiáticas”. “Como isso é feito a toque de caixa, por uma questão de populismo penal, a criação de tipos penais acaba sendo muito rápida e equivocada, dando um espaço gigante para uma série de subjetivismos e discussões”, afirma.

O projeto aprovado na Câmara cria o tipo penal do “domínio social estruturado” e diferencia as facções criminosas “ultraviolentas”. Para Tereciano, essas diferenciações dão um “espaço gigante” para que as defesas aleguem que determinada conduta não se encaixa propriamente em um tipo penal específico.

“De fato, é uma estratégia de defesa tentar encaixar uma conduta criminosa de agora em uma lei penal mais benéfica, afastando justamente elementos novos criados por um novo projeto”, diz a advogada, que acrescenta que a aceitação de determinada tese por um tribunal depende de diversos fatores, como o perfil do juiz, a qualidade da defesa e o trabalho da acusação.

Para especialistas, o texto, que agora será discutido no Senado, abre a possibilidade de conflito com legislações já existentes, o que pode, no limite, beneficiar acusados de envolvimento com o crime. A avaliação é que questões como falta de clareza e sobreposição de tipos penais podem favorecer a apresentação de recursos pelos advogados e até mesmo levar à nulidade de processos.

Robson Rodrigues, coronel da reserva da Polícia Militar do Rio e mestre em antropologia, afirma que há discussões sobre a necessidade de que leis antigas sejam revogadas, mas pondera que, caso seja sancionado exatamente como foi aprovado, o projeto “vai trazer mais confusão do que resultados”.

“É um ‘efeito Chacrinha’, ele vem muito mais para confundir do que para explicar”, resume Rodrigues. “Há conceitos desnecessários, como dominação estrutural-social, ultraviolência. Vai aumentar ainda mais essas discussões em juízo e isso pode facilitar a vida de criminosos, principalmente os criminosos que podem arcar com advogados mais bem preparados”, afirma.

Para a advogada criminalista Letícia Lins e Silva, a Lei de Organizações Criminosas, de 2013, não foi revogada porque o PL Antifacção, aprovado na terça-feira (18), cria um novo tipo penal – que considera como organização criminosa ultraviolenta o agrupamento de três ou mais pessoas que emprega violência, grave ameaça ou coação para impor controle territorial ou social, intimidar populações ou autoridades, atacar serviços, infraestrutura ou equipamentos essenciais.

A criminalista acredita que a similaridade entre os dois dispositivos pode causar conflitos. “Uma coisa é a organização criminosa ultraviolenta, que não se sabe bem o que é porque a definição é bem aberta no PL, enquanto que a Lei 12.850 trata de organização criminosa. Pode haver confusão porque são tipos penais parecidos, mas a conduta da lei nova é mais grave do que a prevista na anterior”, diz.

Segundo ela, crimes cometidos antes da publicação do PL, caso ele seja aprovado no Senado, não poderão ser enquadrados na nova lei. “Uma lei não pode retroagir para piorar a situação do réu”, reforça. “É mais uma lei criada num momento de furor punitivo e que tem mais benefícios políticos do que para a sociedade. É uma lei que restringe direitos, que restringe garantias e que aumenta sobremaneira as penas.”

O diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima, afirma que, em termos de técnica legislativa, ao criar uma nova figura penal equivalente a uma já existente em outra lei, sem revogar a anterior, pela lógica do direito penal, prevalece a pena menor. Para Lima, essa configuração atual vai gerar debates, pois cada juiz vai escolher qual lei aplicar, o que implica recursos adicionais e maior demanda de tempo nos processos.

“Se você cria uma figura penal que é equivalente a outra figura penal de outra lei, e, não revoga a lei anterior, pela lógica do direito penal e do direito de processual penal, vale a pena menor”, afirma o dirigente da organização.

Há uma concordância dos especialistas em direito com a necessidade de aprimoramento da legislação penal para enfrentar a criminalidade organizada, mas também a ressalva de que isso não pode levar à instituição de normas de difícil interpretação. (Com informações do Valor Econômico)

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