Sexta-feira, 19 de Abril de 2024

Home Comportamento Psicanalistas ganham status de influencers na internet

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No final de janeiro, quando a corrente “5 curiosidades sobre mim” tomou conta do Instagram, o perfil New Memeseum (com 186 mil seguidores) publicou um vídeo (editado e tirado de contexto) no qual a psicanalista Maria Homem parecia comentar a modinha: “Ah! Não precisa, né, gente? Aí é uma onipotência narcísica, é uma fantasia. A gente pode mais que isso, né?” No início deste mês, mais memes: a página compartilhou uma sequência de trechos (de vídeos no YouTube) em que a psicanalista supostamente falava sobre arte contemporânea: “que angústia mais homogeneizante!”, “é a ética da radicalidade do gozo individualista”, “é só a carapaça imaginária da nossa onipotência narcísica”.

Autora de “Lupa da alma: quarentena-revelação” (Todavia), Maria integra um time de discípulos do Doutor Sigmund Freud que viralizou na pandemia. Avessos ao estereótipo do psicanalista calado, que no máximo solta um misterioso “hum…”, eles ocuparam o debate público e as redes sociais. Inspiram memes, bombam no Instagram, gravam vídeos para o YouTube, participam de podcasts, escrevem na imprensa, dão cursos e falam sobre arte, política, relacionamentos, burnout e angústia.

Maria acumula 285 mil seguidores no Instagram e 221 mil inscritos em seu canal no YouTube. Bem-humorada, ela conta que um amigo lhe disse que aparecer no New Memeseum é o equivalente pop a sair no New York Times. Ela lembra que o namoro da indústria cultural com a psicanálise é antigo. O próprio Freud foi convidado pela produtora hollywoodiana Metro-Goldwyn-Mayer para supervisionar roteiros, mas recusou. Alfred Hitchcock ilustrou conceitos psicanalíticos em filmes como “Quando fala o coração”, “Psicose” e “Marnie, confissões de uma ladra”. Donald Winnicott fazia conferências radiofônicas. O apelo da psicanálise, afirma Maria, está em seu “altíssimo poder hermenêutico”, capaz de decifrar tanto a mente humana quanto o “texto complexo do mundo”.

“A psicanálise fala do que move as pessoas: amor, ódio, afetos, pulsões de vida e de morte, sexualidade, identificação. Não dá para explicar por que as pessoas amam ou odeiam Lula e Bolsonaro só por fatores econômicos. É preciso entender o que é pulsão, identificação, inconsciente”, diz ela, que é cobrada por internautas para traduzir o jargão. “Quando reclamam que falo difícil, tento explicar mais, indicar um texto, um vídeo, um curso. Ainda estou aprendendo. Não quero baratear o debate.”

“Psicanálise de boteco”

Maria credita o sucesso da psicanálise na internet ao desejo das pessoas de “sair da angústia”. O psicanalista Alexandre Patricio de Almeida, criador do podcast “Psicanálise de boteco”, acrescenta que a pandemia “trouxe novas formas de sofrer” e, impedida de extravasar “no bar, na academia ou na ioga”, muita gente procurou um divã nas novas mídias. Criado na periferia de São Paulo, crítico do que considera um elitismo da psicanálise e seguido por mais de 43,3 mil pessoas no Instagram, ele estreou o “Psicanálise de boteco” para articular as teses de Freud, Winnicott e Melanie Klein “com temas do cotidiano de forma leve e descontraída”. Há episódios sobre temas como o filme “Divertidamente”, ciúme e cultura do cancelamento. E outros mais cabeçudos, como os das séries “Café com Freud” e “Café com Klein”, nos quais esmiúça conceitos dos dois autores. Os episódios vêm com referências bibliográficas. Ontem, o podcast ocupava a 92ª posição no ranking brasileiro do Spotify e apresentava tendência de alta.

“Faço parte de um movimento que quer tirar a psicanálise de sua torre de marfim e colocá-la para discutir política, arte e problemas sociais. Freud falou sobre tudo isso em seu tempo. Devemos costurar a psicanálise com o contemporâneo sem perder o rigor técnico”, diz ele, que alerta seus seguidores a terem cuidado com o conteúdo supostamente psicanalítico que consomem por aí. “Tem muita gente desesperada por likes que repete meia dúzia de bobagens e diz que é psicanálise.”

A escritora Tati Bernardi, autora de “Depois a louca sou eu” (Companhia das Letras), criou dois podcasts para disseminar a psicanálise. Em “Meu inconsciente coletivo” (que ela descreve como “pira egoica” e “sessão de terapia maluca”) ela recebe um psicanalista diferente a cada episódio e conta “tudo o que há de mais inconfessável” perturbando sua mente. Já em “Quem lê tanta notícia” tenta entender o que acontece no mundo com a ajuda do advogado Thiago Amparo e da psicanalista Vera Iaconelli.

“Meu sonho era falar todo dia com a Vera. Então, inventei esse podcast”, brinca Tati. “A psicanálise mudou a minha vida. Crio podcasts para gente que é como eu, que quer se intelectualizar, mas só vai entender metade de uma aula de psicanálise na pós-graduação da USP.”

A quarta temporada de “Meu inconsciente coletivo” vai discutir psicanálise e literatura e deve estrear em março ou abril. Ontem, “Quem lê tanta notícia” e “Meu inconsciente coletivo” eram, respectivamente, o 14º e o 45º podcasts mais ouvidos pelos brasileiros no Spotify.

“Acho fantástico que psicanálise esteja na moda. Psicanálise é para todo mundo! Ela nos tira de nossas bolhas ao mostrar que ninguém é filho do demônio, que o obscuro está dentro de todo nós. Saber disso melhora o debate”, diz a escritora.

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