Segunda-feira, 20 de Outubro de 2025

Home Você viu? Saiba porque sentimos dor de cabeça ao tomar bebidas frias e sorvetes

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Uma colherada de sorvete gelado, um gole rápido de bebida fria e, de repente, uma dor aguda atravessa a testa. O fenômeno, conhecido popularmente como “dor de cabeça por sorvete” — ou, em termos médicos, “cefaleia por estímulo frio” — é uma experiência comum e, ao mesmo tempo, fascinante do ponto de vista neurológico. Apesar de passageira, essa reação revela muito sobre o funcionamento do sistema nervoso e pode até ajudar a compreender doenças mais complexas, como a enxaqueca.

De acordo com a Classificação Internacional de Transtornos de Cefaleia, o brain freeze é uma dor frontal ou temporal de curta duração, causada pela exposição do palato ou da parede faríngea a temperaturas muito baixas. A súbita mudança térmica provoca contração e dilatação dos vasos sanguíneos, o que estimula o nervo trigêmeo — responsável por conectar o rosto ao cérebro — a emitir um alerta de dor. Curiosamente, o cérebro interpreta essa sensação como se viesse da testa, e não da boca. Trata-se de uma dor “referida”, um erro de interpretação comum em outros tipos de dor visceral.

Em 2010, um artigo publicado na revista Critical Care Medicine levantou uma hipótese provocadora: a de que o mesmo mecanismo por trás da dor de cabeça por sorvete poderia inspirar estratégias de proteção cerebral após paradas cardíacas, usando a chamada hipotermia terapêutica. O estudo sugeriu que o rápido controle da temperatura e do fluxo sanguíneo no cérebro — algo que ocorre de forma natural durante o brain freeze — pode ajudar a regular a pressão intracraniana e preservar funções neurológicas.

Essa pequena dor, portanto, é uma pista sobre como o corpo reage ao frio extremo e como essa resposta pode ser reproduzida de modo controlado em ambientes clínicos.

Pesquisas recentes reforçam a ligação entre o brain freeze e outros distúrbios neurológicos. Uma revisão publicada em 2023 analisou a participação de estruturas profundas do crânio, como o nervo trigêmeo e o gânglio esfenopalatino — também associados às enxaquecas e a outras cefaleias intensas. Estudos mostram que pessoas mais sensíveis à dor de frio têm maior probabilidade de sofrer de enxaqueca, o que indica uma hipersensibilidade do sistema trigeminal.

A prevalência dessa dor varia de 15% a 37% na população geral, mas é muito mais alta entre crianças e adolescentes, chegando a até 79%, conforme dados científicos. Uma pesquisa alemã com estudantes de 10 a 14 anos, seus pais e professores revelou que 62% dos menores já haviam sentido a dor, contra 31% dos adultos. Entre as possíveis explicações estão diferenças anatômicas, maior excitabilidade dos receptores de frio e o aprendizado, com o tempo, de evitar estímulos dolorosos.

Há também relação direta com o histórico familiar. Estudos indicam que filhos de pais que sofrem com cefaleia por estímulo frio têm probabilidade até dez vezes maior de apresentar o mesmo sintoma. Pessoas com histórico de traumatismo craniano também parecem mais suscetíveis.

Ainda que seja um incômodo breve, a dor de cabeça por sorvete é um campo fértil para pesquisas sobre o limiar da dor e os mecanismos de defesa do sistema nervoso. O fenômeno mostra que o corpo humano é extremamente sensível a variações térmicas e que, mesmo em algo trivial como tomar um sorvete, há uma complexa rede de respostas neurológicas em ação.

Na imensa maioria dos casos, o brain freeze é inofensivo e autolimitado. Mas há registros raros de reações extremas. Um caso descrito no American Journal of Forensic Medicine and Pathology em 1999 relatou que um jovem desmaiou após beber água muito fria. Os médicos apontaram a possibilidade de um reflexo vagal intenso, uma resposta autonômica descontrolada ao frio, e não uma cefaleia clássica.

Felizmente, o desconforto pode ser evitado com medidas simples. Beber ou comer lentamente é a forma mais eficaz de prevenir o estímulo súbito que aciona o nervo trigêmeo. Evitar que o alimento frio toque diretamente o palato também ajuda — o uso de canudo, por exemplo, reduz o contato com a área mais sensível. E se a dor já começou, pressionar a língua contra o céu da boca pode restabelecer a temperatura e aliviar o incômodo rapidamente.

Assim, a próxima vez que o sorvete “congelar” a testa, lembre-se: não é apenas uma reação passageira. É o seu sistema nervoso simulando, em segundos, um mecanismo que cientistas tentam compreender há décadas — um lembrete curioso de que até os prazeres mais simples do verão escondem complexos reflexos do cérebro humano.

 

(Com informações do O Globo)

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