Sexta-feira, 24 de Janeiro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 6 de novembro de 2023
Ex-diretor de Política Monetária do Banco Central (BC), Bruno Serra avalia que a mudança da meta de zerar o déficit das contas públicas no ano que vem, colocada pelo próprio governo, entrou em pauta antes do esperado em razão da dificuldade do Planalto de conseguir as receitas adicionais necessárias ao objetivo.
O problema, disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, é o País perder credibilidade na condução da política fiscal, ao mesmo tempo em que se avizinha o debate sobre a sucessão no BC, cujos riscos introduzem um prêmio nas expectativas de inflação, já que o presidente do banco, Roberto Campos Neto, caminha para o último ano do mandato.
“Apesar de eu ser mais conservador com juros, a nossa visão é de que a inflação é muito benigna no curto prazo; só que o mercado está pagando um prêmio pela transição do Banco Central”, diz Serra, que, após concluir quarentena, está de volta ao Itaú Unibanco, à frente da gestão da família de fundos Janeiro na Itaú Asset. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
1) Como o sr. vê a pressão para mudar a meta fiscal?
A discussão entrou na pauta agora, antes do que a maioria dos analistas esperava, que seria no ano que vem, quando se discutiria a necessidade de contingenciar (bloquear de forma preventiva) gastos. Para o governo, como já está ficando provável que não se conseguirá toda a receita extraordinária para fazer um resultado primário zero, parece que a preferência está sendo a de ajustar a meta agora, dada a dificuldade em cortar gastos. Esse é o caminho mais provável.
Teria sido muito importante que um contingenciamento fosse feito, sendo consistente com a meta fiscal inicial, de déficit primário zero. Mesmo que a mudança de meta no curto prazo não gere uma reação tão negativa como alguns esperavam, o risco ao longo do ano que vem é essa menor credibilidade na condução da política fiscal se somar ao debate da transição do Banco Central. Então, você poderá ter dois dos alicerces do tripé macroeconômico sendo questionados (metas de inflação e contas públicas).
2) Pode ter também o terceiro pilar, o câmbio, afetado pelo contexto internacional?
Seria o pior dos mundos? Sim, sem dúvida. Pode ter. Mas esse não está sob controle nem do Executivo nem do Banco Central. O que o BC pode fazer é ser um pouco mais cauteloso nas sinalizações conforme a Selic se aproximar de 11%.
Acho que seria bem-vindo para garantir que o terceiro pilar também não sofra. Mas o fato é que não está totalmente sob o controle dele. Tem vezes que o risco sobe tanto, a volatilidade do mercado internacional sobe tanto, que o câmbio sofre, mesmo com o BC sendo cauteloso. Já aconteceu várias vezes.
3) Quando o sr. fala em cautela com a taxa perto de 11%, seria apenas uma sinalização?
Pode ser que sejam mantidos os cortes de 0,50 ponto porcentual até a taxa chegar a 11%, mas você precisa começar a não dar sinalizações tão explícitas (sobre a manutenção do ritmo).
4) Como o sr. responde às críticas ao BC por ter cortado a Selic a 2% e, depois, mantê-la em 13,75% por tanto tempo?
Sem nenhum impacto de pandemia na conta, já vínhamos cortando os juros para 4,25%. Quando o Roberto (Campos Neto, presidente do BC) assumiu (em fevereiro de 2019), a taxa era de 6,5%.
A economia, depois de uma recessão que encolheu o Produto Interno Bruto (PIB) entre 6% e 7% em dois anos (2015 e 2016), tinha crescido menos de 2% em 2018 e estava em desaceleração, com preços das commodities caindo, o que é ruim para o Brasil, e as expectativas de inflação também caindo para abaixo da meta nos prazos mais longos. O diagnóstico era cortar juros.
5) Aí veio a pandemia…
E o que você faz na pandemia? No primeiro momento da pandemia, as expectativas de inflação caíram e o juro lá fora foi para zero de novo. O que você faz? Alguma coisa tinha de cortar. Tinha muita gente na época defendendo cortar para perto de zero. Se lembrarem bem, 2% era um nível em que, naquele contexto, a inflação projetada continuava abaixo da meta. Vamos também lembrar que as coisas aconteceram muito rápido na pandemia.
O governo mandou um auxílio (emergencial) de R$ 200, que numa tarde virou R$ 400, e depois virou R$ 600. Isso faz toda a diferença para a demanda agregada. Era só por dois meses, mas o auxílio foi sendo renovado. A verdade é que a realidade mudou muito rápido na pandemia. O ambiente ficou completamente diferente, e não só no Brasil.
No Ar: Pampa Na Madrugada