Home Política Se engana quem pensa que o gesto de Michelle significa recuo ou submissão aos filhos de Jair Bolsonaro

A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro pediu desculpas aos enteados por ter se intrometido e criticado publicamente a articulação para uma aliança com Ciro Gomes (PSDB), no Ceará. Mas se engana quem pensa que o gesto significa recuo ou submissão aos filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Ao contrário disso, ela escolheu a forma e as palavras precisas para crescer como porta-voz do bolsonarismo. E já conseguiu uma vitória: o PL suspendeu a aliança com o pretenso candidato ao governo cearense.

Michelle poderia ter resolvido o problema dentro de casa. Se fosse apenas algo doméstico. Diferentemente disso, entretanto, optou por divulgar uma carta cheia de recados, mostrando que o caso é político e que ela age de forma distinta dos enteados. Também fez várias publicações nas redes mostrando Ciro Gomes disparando críticas agressivas a Bolsonaro.

Presidente nacional do PL Mulher, a ex-primeira-dama reforçou o apreço à família, a defesa inegociável do marido e a postura anti-petista. Ou seja, destacou que cumpre pré-requisitos de quem queira se colocar como alguém capaz de representar as crenças de Bolsonaro e de seus apoiadores. Inclusive sobre o papel da mulher.

“Antes de ser uma líder política, eu sou mulher, sou mãe, sou esposa e, se eu tiver que escolher entre ser política, mãe ou esposa, ficarei com as duas últimas opções… Não foi minha intenção contrariá-los (os enteados). Eu, assim como eles, quero apenas o melhor para o nosso herói, seu pai, meu esposo e o maior líder que esse País já teve“, disse.​

Michelle não deixou dúvidas de que vai sustentar suas opiniões políticas e avançar no discurso nacional da polarização.

“Eu respeito a opinião dos meus enteados, mas penso diferente e tenho o direito de expressar meus pensamentos com liberdade e sinceridade… Como apoiar (ou deixar de, caridosamente, admoestar quem apoia) um homem que foi responsável por implantar a narrativa que rotulou o meu marido como genocida?”.

Desde que Jair Bolsonaro foi preso, Flávio Bolsonaro (PL-RJ) apresentou-se como porta-voz do pai. A ex-primeira-dama não criticou essa decisão diretamente. Mas nas entrelinhas mostrou discordâncias, afinal, os enteados estavam aceitando a aliança com Ciro.

“Desculpem-me: não sou assim! Acredito em uma política diferente. Não basta derrotar o PT e a esquerda; é preciso fazê-lo mantendo-nos fiéis aos nossos valores e agirmos de maneira coerente com eles”, concluiu.​

​“Muitas vezes, somos nós, esposas, que somos chamadas a mostrar aos nossos maridos que eles podem estar errando. Isso é normal em qualquer casamento e um precisa ajudar o outro”.

A ex-primeira-dama sabe que seu discurso tem potencial para mobilizar a militância. Desde que assumiu o PL Mulher e passou a excursionar pelo País falando em nome da sigla, conseguiu aumentar o número de filiados do partido e entrou nas articulações para composição dos palanques da Paraíba, Distrito Federal, Santa Catarina e, agora, no Ceará.

Na briga mais recente, sobre Ciro, ganhou a simpatia nas redes sociais, onde seu irmão Eduardo Torres reforçou o apoio, como mostra a postagem abaixo.

O episódio de atrito entre Michelle e os filhos de Bolsonaro endossa a divergência que vem ocorrendo dentro do Partido Liberal e na própria família sobre como impedir que a voz do ex-presidente, com acesso restrito ao mundo externo, se enfraqueça e deixe de influenciar a disputa pelo Palácio do Planalto no ano que vem. (Opinião/O Estado de S. Paulo)