Quarta-feira, 24 de Setembro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 22 de setembro de 2025
Nascido na ex-União Soviética, o ex-campeão mundial de xadrez e ativista político Garry Kasparov, de 62 anos, vive há dez anos em Nova York, onde se tornou uma influente voz dissidente contra Moscou. Chegou a se candidatar à Presidência da Rússia, em 2008, mas, seis anos depois, deixou o país alegando perseguição pelo governo de Vladimir Putin. Defensor das democracias liberais, Kasparov é também um feroz crítico do presidente americano, Donald Trump, que considera uma ameaça existencial à democracia. Segundo ele, os EUA estão passando por um processo de “putinização”.
1. Em seu livro “Winter is Coming” (“O inverno está chegando”), publicado há dez anos, o senhor escreveu sobre a ameaça que Putin representava à democracia na Rússia. Como vê a Presidência de Trump? Esse inverno está chegando aos EUA?
É isso que tenho defendido. Estou terminando a trilogia de uma série de artigos para a revista The Atlantic em que meu argumento é que os EUA estão passando por um processo de “putinização”. Essa é uma ameaça existencial e um teste. As eleições de meio de mandato testarão se a democracia americana sobreviverá a um ataque direto de Donald Trump. Acredito que ele representa uma ameaça real aos valores e tradições da democracia liberal americana.
2. A popularidade de Putin segue alta na Rússia mesmo após três anos de guerra com a Ucrânia. Como explicar isso?
Tenho dúvidas sobre a popularidade de Putin. A popularidade é medida por eleições ou por pesquisas de opinião, que só funcionam quando as pessoas não têm medo de falar. A Rússia agora é uma ditadura de um homem só. Quase ninguém responderia à pergunta sabendo das consequências. Quanto a sua permanência no poder, até agora ele está lá… Mas ele chegou a um ponto em que a guerra se tornou o principal motor de sua estabilidade no poder. Ele não pode parar a guerra porque teria de lidar com as consequências disso. Uma delas é como absorver mais de um milhão de “assassinos em potencial” (soldados e mercenários que voltariam do front). Mesmo com apenas alguns milhares deles retornando da guerra, temos histórias sobre estragos causados por eles. Algumas dezenas de milhares de veteranos que voltaram do Afeganistão criaram uma cultura criminosa e uma atmosfera de extorsão na Rússia na década de 1990. Agora, os números são dez vezes maiores, se não vinte vezes.
Enquanto Putin permanecer no poder, a guerra continuará. A maneira de desafiá-lo é basicamente a Ucrânia vencer a guerra. Essa vitória não significa colocar tanques ucranianos em Moscou. Mas é preciso derrotar as tropas russas no campo de batalha e também destruir a infraestrutura de guerra de Putin. A propósito, a Ucrânia está indo bem, considerando as circunstâncias. Eles provavelmente destruíram cerca de 20% dos sistemas de refinaria russos e estão atacando-os com força. A tão alardeada ofensiva de verão de Putin fracassou completamente. Agora vemos uma guerra de atrito que, na verdade, não funciona bem para Putin.
3. Como o senhor interpreta a relação entre Trump e Putin?
Há um terreno muito fértil para especulações sobre esse assunto. Podemos especular sobre o histórico empresarial de Trump, suas falências e a ajuda misteriosa que ele sempre recebeu. Pensando em sua primeira viagem à União Soviética em 1987, e conhecendo a KGB [principal agência de inteligência e segurança interna da União Soviética], não consigo imaginar que eles não tenham tentado falar em particular com aquele multimilionário americano, com uma esposa tcheca, um estilo de vida extravagante e reputação de mulherengo.
Mas, sem especular, vamos nos ater aos fatos. E os fatos são que Trump não tem vergonha de criticar, culpar ou xingar ninguém, sejam políticos americanos ou líderes estrangeiros. Há apenas uma pessoa que ele nunca criticou em sua vida: Vladimir Putin. Acho que Trump jamais fará algo contra Putin, mas ele pode ser forçado a não se tornar seu aliado. Trump está um tanto limitado pela opinião de seu círculo íntimo e de senadores republicanos. Mas se você espera que Trump ajude a Ucrânia, o melhor resultado que você pode obter é que ele não ajude Putin, porque ele nunca fará nada contra Putin. Informações do jornal o Globo