Domingo, 24 de Agosto de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 24 de agosto de 2025
Entre os muros da Cidade Proibida, símbolo de um passado marcado pela discrição, ressoa hoje um eco que se projeta sobre Zhongnanhai, o atual centro nervoso do poder chinês. Ali, atrás de portões fechados e corredores vigiados, definem-se em silêncio os destinos da política externa de uma das grandes potências do planeta. Naquele mundo, a regra é simples: decisões cruciais não são explicadas, apenas sentidas pelo mundo.
Foi nesse cenário que a diplomata Sun Haiyan, ex-embaixadora em Singapura e vice-chefe do Departamento Internacional do Partido Comunista, desapareceu da cena política. Seu superior, Liu Jianchao — nome tratado como sucessor natural de Wang Yi, atual Ministro das Relações Exteriores — teve destino similar: interrogatórios, rumores e silêncio. Ambos seguem nos registros oficiais como se ainda estivessem em seus cargos. A burocracia se encarrega de manter a ilusão; a realidade, porém, já os apagou.
Estes não são casos isolados. Em 2023, Qin Gang, então Chanceler, foi igualmente removido sem explicação. Esses desaparecimentos sucessivos revelam algo mais profundo: até mesmo a diplomacia chinesa, que deveria sinalizar estabilidade e continuidade, na verdade é vulnerável à lógica interna e regras do Partido Comunista, que privilegia disciplina e lealdade acima da previsibilidade e estabilidade política.
O problema é que essa opacidade não se limita às paredes de Zhongnanhai. Ela vaza para além de suas fronteiras, tornando-se risco exportado. Parceiros comerciais, governos e investidores precisam lidar com uma China em que os interlocutores podem sumir de um dia para o outro. A pergunta que fica é: Como negociar compromissos estratégicos em condições tão incertas? O comércio e a geopolítica exigem confiança, mas Pequim oferece em seu cardápio apenas mistério e incerteza.
Sob Xi Jinping, a diplomacia passou a refletir o estilo do próprio regime: centralizada, rígida, pouco transparente — e, por isso mesmo, imprevisível. O resultado é um mundo forçado a interpretar ausências, decifrar sinais, ler entrelinhas. A instabilidade interna do Partido, em vez de assunto doméstico, tornou-se elemento de insegurança global.
A lição que se impõe é dura: nos corredores de Zhongnanhai, o silêncio não é vazio, mas instrumento de poder. Quanto menos se explica, mais espaço há para a disciplina interna, mas também para a incerteza. É nesse contraste entre opacidade e influência global que reside o paradoxo da China contemporânea: uma potência que aspira confiança, mas cultiva o segredo como método.
O Brasil, maior parceiro comercial da China na América Latina, deveria observar esses movimentos com atenção redobrada. Não basta comemorar os números do agronegócio ou a expansão do comércio bilateral. É preciso compreender que, ao atravessar Xinhuamen (Portão da Nova China), e adentrar em Zhongnanhai, onde o poder realmente se move, não há espaço para ingenuidade. Ali, a política externa não se conduz à luz do dia, mas entre sombras — as mesmas que têm provocado reiterados episódios de instabilidade em sua diplomacia.
Márcio Coimbra é CEO da Casa Política e Presidente-Executivo do Instituto Monitor da Democracia. Conselheiro da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig). Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal
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