Quinta-feira, 06 de Novembro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 5 de novembro de 2025
Dormir bem pode ser um desafio para quem convive com enxaqueca, e também um fator decisivo no controle das crises. A doença neurológica, que afeta milhões de brasileiros, costuma interferir na qualidade do sono, provocando insônia, despertares frequentes e cansaço diurno. Ao mesmo tempo, tanto a privação quanto o excesso de horas dormidas são gatilhos conhecidos para o agravamento das crises, criando um ciclo difícil de romper. Especialistas alertam que entender e tratar essa relação entre sono e dor é fundamental para quem busca qualidade de vida e alívio dos sintomas.
“Sono e enxaqueca possuem uma relação profunda e intrincada. Isso porque os mecanismos cerebrais que controlam a dor e o sono estão interligados. Por exemplo, o hipotálamo, estrutura responsável por regular o ciclo sono-vigília, também tem participação nas crises de enxaqueca, modulando sinais de dor e a liberação de hormônios. Já neurotransmissores como serotonina e melatonina influenciam tanto o controle do sono quanto a sensibilidade à dor”, explica o neurologista Tiago de Paula, membro da International Headache Society (IHS) e da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBC). Ele ressalta que, assim como a privação de sono, dormir em excesso também pode intensificar os episódios.
As próprias crises, por sua vez, prejudicam a qualidade do sono. “As dores e a ansiedade geradas pela enxaqueca causam insônia e despertares frequentes durante a noite. Além disso, durante a crise ocorrem alterações químicas no cérebro, com mudanças nos níveis de neurotransmissores, assim quebrando o padrão normal do sono e prejudicando a recuperação”, detalha o especialista.
Dormir pouco aumenta a excitabilidade do sistema nervoso, o que influencia diretamente o quadro.
“Enxaqueca é uma doença relacionada à hiperexcitabilidade cerebral. Então dormir mal é um gatilho para as crises, que também são mais fortes, pois a privação do sono aumenta a sensibilidade à dor”, complementa o neurologista.
Por outro lado, dormir além da conta, quando possível, também não é a solução, embora seja um comportamento comum entre pacientes.
“Depois que a dor passa, é comum que a pessoa se sinta mais cansada, recorrendo então a horas extras de sono para se recuperar. Além disso, a sonolência diurna pode surgir como um sintoma das crises ou como efeito colateral de alguns medicamentos”, diz Dr. Tiago.
“Mas, independentemente do caso, é importante controlar as horas de sono. Isso porque dormir por horas extras pode desregular o ciclo sono-vigília e alterar os níveis de neurotransmissores, piorando as crises de enxaqueca”, acrescenta.
Para restabelecer o equilíbrio, o caminho passa por um tratamento multidisciplinar. A abordagem deve ir além do uso pontual de medicamentos, que, se utilizados em excesso, podem piorar o quadro.
“O controle eficaz passa por mudanças no estilo de vida somadas às terapias de primeira linha com eficácia comprovada, como a aplicação de toxina botulínica em pontos específicos, para reduzir a sensibilidade à dor, e o uso de medicamentos monoclonais Anti-CGRP, que bloqueiam substâncias ligadas à inflamação e transmissão da dor. É possível ainda associar sessões de fisioterapia e uso de dispositivos de neuroestimulação para diminuir a excitabilidade cerebral. Embora não tenha cura, a enxaqueca pode ser controlada com eficácia. E quando o tratamento é feito corretamente, todos os gatilhos perdem a força”, afirma o neurologista.
Qualidade do sono importa – e muito
Mais do que a quantidade de horas dormidas, a regularidade e a qualidade do sono fazem toda a diferença. Segundo o otorrinolaringologista Paulo Reis, especialista em Medicina do Sono e coordenador científico do grupo Bonviv Brasil, nem sempre dormir a noite toda significa ter descansado de forma eficiente.
“As pessoas muitas vezes têm a percepção equivocada de que dormir muito ou dormir a noite inteira é sinônimo de ter dormido bem. E isso nem sempre é verdade. Se você dormiu um sono mais superficial ou fragmentado, por exemplo, terá um sono de qualidade ruim, apesar de ter dormido a noite toda”, ressalta.
Ele destaca ainda que distúrbios como ronco, apneia do sono e síndrome das pernas inquietas são comuns e frequentemente subdiagnosticados, o que também afeta negativamente o descanso. Para ele, “um sono de qualidade inclui outras variáveis, como continuidade durante a noite (sono contínuo com poucos despertares e interrupções), estágios normais de sono (do mais leve ao mais profundo e ao REM) em proporções adequadas e regularidade nos horários de dormir e acordar de acordo com as individualidades de cada pessoa”.
Do ponto de vista prático, os sinais de um bom descanso são claros. “O que irá nos mostrar se o sono foi bom será acordar descansado, ter energia e concentração suficientes durante o dia sem a necessidade de estimulantes, como cafeína, Venvanse e afins, e não ter sonolência para realização das atividades cotidianas”, pontua Dr. Paulo.
Higiene do sono: um passo essencial
Entre as estratégias não medicamentosas mais eficazes, está a chamada higiene do sono. “A higiene do sono é como preparar o terreno para que o sono aconteça de forma natural e restauradora. Quando mantemos bons hábitos de sono, melhoramos não apenas a quantidade de horas dormidas, mas principalmente a qualidade do descanso”, esclarece.
Entre os hábitos recomendados estão:
Manter horários regulares para dormir e acordar, inclusive nos fins de semana;
Criar um ambiente favorável ao sono: silencioso, escuro e com temperatura confortável;
Utilizar colchão e travesseiros adequados;
Evitar telas e luzes fortes antes de dormir, optando por leitura ou sons relaxantes;
Moderar o consumo de cafeína, álcool e evitar exercícios intensos à noite.
Ao final, Dr. Tiago reforça que o sono de má qualidade não é culpa do paciente: “A própria enxaqueca dificulta que a pessoa tenha uma boa noite de sono, com dificuldade para iniciar e manter o sono. Não é culpa do paciente. Então o tratamento adequado da enxaqueca é indispensável para restabelecer a qualidade do sono e de vida”.