Sábado, 18 de Outubro de 2025

Home em foco Suíça derrotou uso descontrolado de heroína facilitando acesso à droga nos anos 1990

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Na década de 1990, a Suíça decidiu combater uma das piores epidemias de drogas da Europa testando uma política radical e controversa — que incluía oferecer heroína pura e salas de consumo para dependentes. A nova estratégia reduziu drasticamente o número de overdoses, de infecções por HIV, vírus causador da Aids, e de novos usuários.

Em entrevista ao jornalista Zak Brophy, do programa de rádio Witness da BBC, o médico suíço Andre Seidenberg, que trabalhou com dependentes químicos por décadas, e a ex-presidente Ruth Dreifuss, que fez campanha pela mudança na política pública do país, contam como a Suíça derrotou o uso descontrolado de heroína facilitando acesso à droga nos anos 1990.

“Eu experimentei quase todas as drogas, meus amigos tiveram problemas sérios com droga. Felizmente eu escapei… Comecei a estudar medicina e meus pacientes, às vezes, acabavam sendo velhos amigos.” A declaração é do médico Andre Seidenberg, hoje aposentado, que trabalhou ajudando usuários de drogas na Suíça desde os anos 1970.

Naquela época, o país vivia uma grande epidemia de heroína. O governo respondia com repressão policial e tratamentos focados apenas na abstinência. Mas a estratégia não estava funcionando. A situação ficou tão fora de controle que, no final dos anos 1980, alguns governos locais decidiram tolerar o consumo de drogas em determinados espaços públicos, como parques, numa tentativa de recuperar algum tipo de controle.

Estes lugares ficaram conhecidos needle parks (parques das agulhas, em tradução literal) — e o Platzspitz Park, em Zurique, era um dos mais famosos.

Seidenberg fazia parte da crescente comunidade de profissionais de saúde da linha de frente que desafiava a política oficial. Eles começaram a oferecer aos dependentes acesso a abrigos e serviços médicos, além de agulhas esterilizadas. Esta última iniciativa foi particularmente vital quando o HIV, vírus causador da Aids, começou a se espalhar na década de 1980.

Mudança

Quando a ex-presidente da Suíça Ruth Dreifuss se tornou ministra da Saúde no início da década de 1990, as vozes de reformistas como Seidenberg estavam chamando cada vez mais a atenção dos formuladores de políticas públicas. E ela própria apoiou a nova abordagem.

“Estava claro que eu, como ministra federal da saúde e responsável pela implementação da lei de entorpecentes, tinha que facilitar a inovação na prática”, disse ela. “Aqueles que tinham realmente uma forte conexão com a população diziam que tínhamos que experimentar novas maneiras. Não era possível continuar como fazíamos no passado.”

Em 1991, o governo suíço elaborou então uma nova política nacional, que combinava uma linha dura em relação à criminalidade e uma abordagem de saúde pública para os dependentes — ficou conhecida como “estratégia dos quatro pilares”.

Um dos pilares era a aplicação da lei. Mas os outros três — prevenção, redução de danos e tratamento — se baseavam em tratar os usuários de drogas de forma mais humana. No entanto, a Suíça é uma federação altamente descentralizada, na qual as decisões são frequentemente tomadas por meio de referendos. Cada região ou cidade teve então que ser convencida a experimentar algumas das novas ideias de política pública.

Um dos elementos mais controversos do plano era testar o que ficou conhecido como tratamento assistido com heroína (HAT, na sigla em inglês). Consistia em oferecer aos dependentes heroína pura sob prescrição médica, a ser injetada com segurança em clínicas especializadas. Desta forma, eles parariam de comprar drogas contaminadas no mercado clandestino.

A primeira clínica do tipo foi inaugurada na Suíça em 1994. Os pacientes precisavam preencher critérios rigorosos, como não ter respondido a outros tratamentos. Além da terapia, eles também recebiam ajuda com emprego e moradia.

Com o tempo, os dados começaram a ser mostrar conclusivos. Graças aos testes do tratamento assistido com heroína e a outros programas — como a ampliação do uso de metadona (usada na desintoxicação de heroína) —, o número de overdoses fatais no país caiu pela metade entre 1991 e 2010. Ao mesmo tempo, as infecções por HIV foram reduzidas em 65%, e a quantidade de novos usuários de heroína caiu 80%.

“De certa forma, é algo para se orgulhar quando você consegue algo depois de vários anos de luta e trabalho”, diz Seidenberg. “Mas o principal é que as pessoas voltaram a ter saúde, começaram a pensar em normalizar suas vidas e conseguiram — pelo menos mais da metade conseguiu — realmente uma vida normal. E as pessoas não estavam morrendo”, avalia.

Mas o teste final do projeto foi político. Em 2008, a Suíça realizou um referendo nacional, em que 68% da população votou pela incorporação permanente da política dos quatro pilares à lei federal.

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