Sexta-feira, 26 de Dezembro de 2025

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O erro que revela a fragilidade de nossos tempos

Há perguntas que, de tão simples, se tornam perturbadoras. “Tu é de direita ou de esquerda?” é uma delas. Escrita de forma errada, propositalmente errada, a frase escancara não apenas a pobreza gramatical, mas a pobreza de nossas narrativas. É uma pergunta infantil, quase ingênua, que expõe a superficialidade dos debates que dominam a sociedade contemporânea. O erro, aqui, não deve ser corrigido: deve ser exposto como metáfora. Vivemos tempos em que até as perguntas se tornaram frágeis, rasas e manipuladas.

A humanidade em tempos sombrios

Estamos diante de um momento crítico, comparável às épocas mais escuras da história. A Idade das Trevas foi marcada pela ausência de luz; hoje, a escuridão nasce do excesso de informação. Um excesso que confunde, paralisa e divide. Máquinas pensam, algoritmos decidem, e nós, humanos, parecemos perder nossa essência. O pensamento se mecaniza, os valores se tornam descartáveis, e a consciência coletiva dá sinais de colapso. Avançamos em inteligência artificial, biotecnologia e exploração espacial, mas retrocedemos em empatia, solidariedade e propósito.

O colapso da consciência

A velocidade dos acontecimentos ultrapassa nossa capacidade de assimilação. Valores que antes eram pilares — família, comunidade, espiritualidade, ética — dissolvem-se em narrativas fragmentadas. Zygmunt Bauman já alertava para a “modernidade líquida”, onde nada é sólido. Hoje, essa liquidez se transformou em volatilidade extrema: convicções mudam ao sabor das redes sociais, identidades se reduzem a rótulos binários. Responder a “Tu é de direita ou de esquerda?” tornou-se quase uma obrigação social. Não responder é afronta; responder é cair na armadilha da polarização. Vivemos uma nova inquisição, em que o silêncio é suspeito e a resposta é usada contra nós.

Narrativas e manipulação

Do ponto de vista sociológico, essa polarização é produto de uma sociedade fragilizada. Grupos de interesse criam narrativas para dividir, confundir e manter as pessoas em estado de inação. Estudos em comunicação política mostram que a fragmentação discursiva é estratégia deliberada: quanto mais divididos estamos, menos conseguimos agir coletivamente. Hannah Arendt já alertava que a perda da verdade objetiva abre espaço para regimes autoritários. Hoje, não são apenas regimes, mas corporações, algoritmos e redes globais que disputam o controle das narrativas.

2026: um ano de desafios

O futuro imediato não é menos sombrio. O ano de 2026 se anuncia como campo minado: crises climáticas agravadas por países que não cumprem metas de redução de emissões; ataques cibernéticos cada vez mais sofisticados; a inteligência artificial transformando economias, empregos e relações humanas; eleições polarizadas e manipuladas digitalmente; guerras comerciais e disputas por uma nova ordem mundial. Diante desse cenário, a pergunta “Tu é de direita ou de esquerda?” revela-se não apenas errada, mas trágica. Porque reduz a complexidade do mundo a uma dicotomia infantil.

Propósito e transição

O verdadeiro caminho não está em escolher lados, mas em resgatar valores que transcendem narrativas políticas. Desenvolver negócios que ajudem a humanidade, investir em energias renováveis, promover consciência ambiental. Afinal, não somos donos de nada: estamos de passagem. Nosso dever é garantir um planeta habitável para as futuras gerações. A transição energética, a educação crítica e a cooperação internacional são pontes para um futuro mais justo e sustentável.

Uma mensagem otimista

Apesar dos tempos sombrios, há esperança. A história mostra que períodos de crise profunda sempre antecederam grandes transformações. A Idade das Trevas deu lugar ao Renascimento. Guerras mundiais abriram caminho para tratados de paz e cooperação internacional. Estamos, talvez, no limiar de um novo tempo. Se atravessarmos a escuridão com consciência, propósito e coragem, poderemos construir uma sociedade mais justa, sustentável e humana.

O erro do título, afinal, é um convite. Não precisamos escolher entre direita ou esquerda. Precisamos escolher entre retroceder ou avançar. Entre repetir narrativas manipuladas ou criar novos caminhos. Entre aceitar a derrocada ou reinventar a esperança.

* Renato Zimmermann é desenvolvedor de negócios sustentáveis e ativista da transição energética

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