Terça-feira, 02 de Setembro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 2 de setembro de 2025
Meu adeus a Luis Fernando Verissimo…
Eu era apenas um adolescente quando folheei pela primeira vez as páginas do livro O Analista de Bagé, de 1981, e lembro-me como se fosse hoje o quanto me dobrei de rir com aquelas piadas simples, mas muito engraçadas e de fácil compreensão, especialmente com a tal “Terapia do joelhaço”, quando o personagem conseguia “centrar” qualquer um com uma joelhada bem dada na coxa.
Era tão eficaz nas teorias do personagem que decidi trazer para a vida real. Durante anos, meus afilhados e sobrinhos serviram como experimento. Quando passavam por minha casa, viravam pacientes: bastava entrar pela porta para já receberem um belo joelhaço na coxa como recepção, só para ver se os guris se centravam.
E a lição vinha junto, igual ao Analista de Bagé. Bem… pelo menos na vida real deu certo.
A influência da leitura
Ah, a leitura realmente é um poder libertador, que ajuda a expandir nossas mentes e horizontes. Comecei a devorar livros muito jovem. Primeiro, os velhos e bons gibis; depois, filosofia, história, poesia e resenhas filosóficas eram meu prato favorito.
Cada página era como alimento da alma — e também um escudo contra o vazio de minha humilde existência. Hoje, com minha visão frágil, já não leio tanto. Mas carrego comigo tudo aquilo que absorvi.
Aliás, que ironia: “não leio”, mas sou escritor. Escrevo para outros, faço biografias, releases e, mais recentemente, tive a honra de ser chamado para escrever minhas crônicas para esse veículo, que é um dos maiores jornais do Sul do País.
Tudo graças ao hábito que um velho mestre me inspirou. Mestre esse que não me conhecia, mas que plantou em meu coração, através de sua obra, todo o desejo e a inspiração de que eu precisava para começar a escrever.
Todos o conhecem como Luis Fernando Verissimo, autor de mais de 80 livros, grande escritor e jornalista. Existem momentos em que tenho inspirações quase divinas. Isso me faz sentir um privilegiado, como se tivesse bebido da mesma fonte que inspirou A Comédia da Vida Privada e O Analista de Bagé.
Sem querer ser pretensioso, é claro… Mas o meu mestre merece uma última homenagem bem ao seu estilo. Tomei a liberdade de fazê-la abaixo.
“O poeta não morreu: foi ao inferno e voltou”
Então, Luis Fernando Verissimo morreu como viveu…
Quando percebeu, nosso nobre cronista estava atrasado, enquanto o ônibus do paraíso o aguardava. O ônibus já estava de partida quando ele ainda procurava os óculos, a caneta e um punhado de piadas, além de crônicas amassadas no bolso do paletó.
Correu, mas chegou à rodoviária celestial apenas para ver a poeira da arrancada do ônibus que partira segundos antes de sua chegada. Sem tempo a perder, fez o que todo brasileiro faria: chamou um táxi.
Por acaso, estava ali, bem perto. O motorista era daquele tipo que não usa taxímetro, com cara de “amigo da onça”, camisa aberta e corrente de ouro no pescoço. Ao ver nosso nobre escritor, sorriu de canto e prometeu um atalho infalível.
— “O senhor vai chegar rapidinho lá em cima”, disse o motorista fanfarrão. E, de fato, chegou rápido. Só que lá embaixo…
O inferno não era fogo nem enxofre, mas um escritório abafado, com pilhas e pilhas de processos. O Diabo, de terno gasto, conferia a lista de pecados como um contador em final de mês.
Quando Verissimo desembarcou, percebeu que estava no lugar errado. Mas já era tarde demais. Ainda assim, não deixou de notar o sorrisinho sarcástico do motorista pelo retrovisor, enquanto ele arrancava o carro cantando pneu.
Na recepção, o Diabo foi direto ao ponto:
— “Mentiu?”
— “Publiquei As mentiras que os homens contam. Está tudo lá, documentado e registrado, nada oculto”, respondeu Verissimo.
— “Hum”, rosnou o Diabo.
— “Riu da desgraça alheia?”
— “Chamei de Comédia da Vida Privada. Prestação de serviço público, meu nobre senhor.”
O Diabo franziu a testa. Parecia perder terreno para aquele gaúcho de humor seco que tentava dar uma de espertinho para cima dele. Quando se levantou para dar um basta, Verissimo recordou-se do Analista de Bagé.
Não pensou duas vezes: aplicou um belo “joelhaço” certeiro na coxa esquerda do capiroto.
O Diabo caiu centrado, massageando a coxa, sem saber se gemia de dor, de riso ou de raiva, enquanto via aquele velhinho subir às pressas pela escada com sua maleta. Enquanto subia, Verissimo pedia perdão a Deus por todos os pecados, prometendo se redimir os mesmos. Divinamente, só aquele ato inusitado de dar um joelhaço na coxa do diabo, parece ter aberto às portas do paraíso para nosso velho escritor.
De repente, ele saiu em outro andar, onde o mesmo ônibus que perdera antes estava ali parado. Pelo visto, teve um pneu furado e acabara de passar pela manutenção.
Ele não teve dúvida: subiu a bordo, ajeitou-se na janela e rapidamente começou a contar sua curta, mas intensa aventura para os outros passageiros, daquele jeito que só ele sabia narrar.
Enquanto isso, o motorista do ônibus, nada mais, nada menos que o próprio cantor Cazuza, comentou com seu assistente:
— “O poeta não morreu, foi ao inferno e voltou.”
Só perdeu a conexão… mas, com certeza, trouxe mais uma bela história para nos contar.
* Fabio L Borges, jornalista e cronista gaúcho
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