Quinta-feira, 23 de Outubro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 6 de agosto de 2022
O presidente Jair Bolsonaro sancionou uma lei que permite ao governo federal doar bens a entidades privadas e públicas durante o ano de 2022, inclusive durante a campanha eleitoral. A sanção foi publicada na edição do dia 5 de agosto do “Diário Oficial da União” e tem origem em um projeto aprovado pelo Congresso Nacional no mês passado, em votação relâmpago.
O texto modificou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022, que já permitia a doação de bens pela administração pública no prazo de até três meses antes das eleições. Agora, com a aprovação do projeto e a sanção da lei por Bolsonaro, a exceção foi ampliada para todo o ano sem que a conduta configure crime eleitoral.
O projeto autoriza um conjunto de doações do governo federal para municípios e instituições privadas – redes de pesca, ambulâncias, tratores, máquinas agrícolas e emendas parlamentares – no meio da campanha. O texto dribla a lei eleitoral, que proíbe essa prática, ao mexer na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022 e favorece o presidente e parlamentares que apadrinham os recursos.
A mudança foi aprovada sem alarde pelo Congresso em 12 de julho , enquanto as atenções estavam voltadas para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e para a regulamentação do orçamento secreto. Em abril, o Congresso já havia liberado as doações até julho, com sanção de Bolsonaro. Agora, a nova lei dá aval para as doações no ano inteiro, incluindo o período eleitoral.
A manobra fura o chamado “defeso eleitoral”, que proíbe práticas como pagamento de emendas e inaugurações na época da campanha. “Além da estranheza das flexibilizações, as mudanças adicionam insegurança no processo de execução orçamentária do passado e, ao alterar a lei eleitoral, a menos de 90 dias das eleições, insere o elemento de insegurança jurídica no calendário, podendo ser interpretado como abuso de poder e acarretar desequilíbrio aos concorrentes do pleito. É de se esperar que haja questionamentos judiciais, inclusive na seara eleitoral”, afirmou o diretor executivo do Instituto Nacional de Orçamento Público (Inop), Renatho Melo.
Execução de recursos
Bolsonaro também sancionou trecho da lei que libera o governo para modificar o objeto e a localidade para execução de recursos já contratados. A mudança na lei permite que recursos alocados em um município sejam destinados a outro local, o que pode virar moeda de troca em ano eleitoral.
Outro trecho sancionou permite pagamento a fornecedores diferentes daqueles previstos nas respectivas notas de empenho. Empenho orçamentário é a etapa em que o governo reserva o dinheiro que será pago quando o bem for entregue ou o serviço concluído.
Com a mudança na lei, em caso de desistência do fornecedor original ou rescisão de contrato, a despesa poderá ser paga para um credor diferente do indicado na respectiva nota de empenho, desde que seja vantajoso para a administração pública.
Nos bastidores, a razão apontada para a mudança é ceder ao pedido de parlamentares. Um dos dispositivos permite mudanças na localidade de verbas contratadas em 2020, primeiro ano do orçamento secreto, incluindo emendas parlamentares. A manobra tende a virar moeda de troca na campanha eleitoral. Um prefeito pode, por exemplo, perder o dinheiro já reservado para sua cidade se um candidato a deputado ou a senador considerar que ele não entregou os votos prometidos. O artifício aumenta o poder do congressista sobre o prefeito.
Pedalada fiscal
Mudar as despesas de lugar sem planejamento nem discussão abre margem para uma nova espécie de “pedaladas”, segundo especialistas, em referência a práticas do governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que sofreu um processo de impeachment. A diferença é que, no governo Bolsonaro, as manobras são autorizadas por mudanças na lei, na tentativa de afastar o presidente de responder por crime de responsabilidade.
“Até o vale-tudo tem regras, que não podem ser alteradas no meio da luta. Em relação às normas orçamentárias, o Congresso está pedalando para frente e para trás”, afirma o economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas.
O projeto faz parte de um pacote patrocinado pelo governo Bolsonaro e aprovado pelo Congresso para favorecer gastos de interesse eleitoral dos parlamentares. No último dia 15, o presidente sancionou uma proposta colocando mais uma camada de sigilo sobre os recursos do orçamento secreto. Até agora, não é possível identificar os beneficiados com o esquema. Apenas o nome do relator-geral do Orçamento aparece associado a esse tipo de emenda. Com o projeto, nem isso. As verbas poderão ser colocadas sob o guarda-chuva do Executivo e atender parlamentares nos bastidores.