Quinta-feira, 18 de Abril de 2024

Home em foco Com parentes ou até sozinhas, crianças brasileiras cruzam deserto entre o México e os Estados Unidos

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Há um rastro de cadarços, peças de roupa e sapatos de criança por quilômetros na estrada de terra que separa México e EUA. É uma hora da tarde em Yuma, no Arizona. A temperatura de 20º C é amena, comparada ao calor do verão. Rompendo a monotonia do deserto, um grupo caminha em fila, com sacolas e mochilas na cabeça.

Com os cabelos presos em um rabo de cavalo, tênis e camiseta rosa, a menina brasileira de 10 anos vai à frente do irmão mais velho e dos pais, como se quisesse encerrar logo um tormento.

Ao avistar a caminhonete branca dos agentes americanos, adultos e crianças querem duas coisas: água e a confirmação de que chegaram aos EUA. “De onde vocês são?”, pergunta o guarda de fronteira, em espanhol. “Passaportes”, ordena ao saber que são brasileiros.

Enquanto checa os documentos, manda que todos retirem os cadarços dos sapatos, os cintos e qualquer coisa que possa ser usada como corda. Anéis, correntes e dinheiro devem ser guardados. Na pressa, muita coisa fica pelo caminho. Está explicado o rastro de peças infantis em meio ao deserto.

Em poucas horas, pelo menos cinco menores brasileiros estavam entre os detidos na fronteira, além de dezenas de crianças de diferentes nacionalidades. Caminhando atrás da filha, Maria (o nome real dos migrantes brasileiros é omitido, por temerem represálias) conta que a família, como todo o grupo, veio de Minas Gerais.

Os guardas determinam que ela não fale mais com a reportagem e pedem que os brasileiros subam na parte traseira na caminhonete. O pai retruca: “As crianças também? Na caçamba?”. O guarda olha de novo aos menores e concorda que sentem no banco de trás do veículo, protegidos.

A família de Maria é uma das mais de 34,7 mil brasileiras detidas com parentes – filhos, pais idosos e cônjuges – na fronteira americana desde outubro de 2020, de um total de 50 mil brasileiros que chegaram aos EUA ilegalmente pelo México. O governo americano não detalha quantos menores chegam com parentes. “Há um número muito significativo de brasileiros e venezuelanos em Yuma”, diz um porta-voz da patrulha da fronteira (CBP, na sigla em inglês).

Há também menores brasileiros desacompanhados. Em um ano, foram 198 – mais da metade entrou por Yuma. A maior parte, segundo fontes nos dois países, é de adolescentes ao redor dos 16 anos. Em 12 de outubro, dia das crianças no Brasil, guardas que faziam a patrulha na barragem de Morelos avistaram dois pequenos pontos cor de rosa. Eram duas irmãs hondurenhas, de 4 e 6 anos, abandonadas por coiotes.

A mais velha carregava uma folha sulfite com o nome de uma “tia”, que supostamente vive nos EUA. No dia seguinte, uma menina de 7 anos de El Salvador foi abandonada por um coiote na cidade vizinha, chamada El Centro.

Asilo

A orientação é para que os menores desacompanhados sejam reunidos com parentes o quanto antes. Em mais de 80% dos casos, a criança tem alguém que já vive nos EUA. Em 40% das vezes, esse parente é um dos pais ou responsável legal.

As famílias também têm tratamento diferente dos adultos que chegam sozinhos. É mais fácil, especialmente quando há menores, passar pelo processo de pedido de asilo em liberdade. É o que fez com que Silvia, brasileira que hoje vive em El Paso, fosse pressionada por coiotes para permitir que dois de seus três filhos cruzassem acompanhando outros adultos.

A brasileira aceitou em troca da promessa de ganhar a travessia sem pagar. Antes de embarcar, ela quis voltar atrás, mas foi ameaçada de morte.

Na entrada, um exame de DNA detectou que as crianças não eram filhas dos adultos. Silvia, que entrou depois nos EUA, foi acusada de tráfico de pessoas e presa. Os filhos, incluindo um bebê de 6 meses, foram levados para um centro de detenção, segundo César Rossatto, cônsul honorário do Brasil em El Paso, no Texas, que ajudou na defesa da brasileira.

Ela agora responde em liberdade ao processo, para que possa ter a guarda dos filhos. “Essas pessoas estão correndo um risco grande. Alguns acham que vale, mas outros não sabem o que os aguarda, vêm iludidos”, disse o cônsul Marcelo Dantas.

O futuro de quem se entrega aos agentes é incerto. Quando as funcionárias de um pequeno café brasileiro em Yuma chegaram para trabalhar, estranharam ao ver um recado deixado de madrugada na caixa postal. De Massachusetts, com voz afobada, uma brasileira telefonava buscando quem pudesse ajudar um casal de amigos detido na travessia.

A família foi presa. Nos 16 dias em que mãe, pai e dois filhos passaram em um centro de detenção, pegaram covid. Foram levados para cumprir isolamento em um hotel, mas estavam debilitados. Hoje, eles aguardam o pedido de asilo em liberdade vigiada. Outros não têm a mesma sorte. Cerca de 20% são deportados em voos semanais.

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