Segunda-feira, 10 de Novembro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 9 de novembro de 2025
De um lado, a dúvida lançada sobre a veracidade do ataque a faca sofrido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2018. Do outro, a crença de que as eleições que elegeram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2022, foram fraudadas. Teorias da conspiração conectadas a temas políticos — ainda que com adesão minoritária na população brasileira como um todo — chegam a convencer, a depender do tópico, mais da metade dos eleitores identificados com a esquerda ou com a direita.
É o que revelam dados inéditos da nova edição da pesquisa “A Cara da Democracia”, que fez 2.510 entrevistas presenciais em todo o país entre 17 e 26 de outubro. O levantamento é uma iniciativa de pesquisadores de universidades como UFMG, Unicamp, UnB, Uerj e Enap, e foi financiado pelo CNPq e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).
Se a falsa alegação de que a facada sofrida por Bolsonaro foi planejada para arquitetar sua vitória em 2018 é classificada como verdadeira por 32% dos entrevistados, quando considerados somente os eleitores que se declaram de esquerda, esse índice salta para 53,3%.
Já a afirmação — também falsa — de que a vitória de Lula na última disputa eleitoral foi fraudada, e a ideia de que existe um plano global da esquerda para tomar o poder, defendidas, respectivamente, por 34,2% e 37,3% dos brasileiros, são apontadas como verdadeiras por 52,2% e 57,7% dos eleitores que se identificam com a direita.
O padrão de respostas muda apenas diante da teoria conspiratória de que o ex-juiz da Operação Lava-Jato e atual senador Sergio Moro (União-PR) seria um “infiltrado dos EUA”. Essa visão tem baixa adesão na população como um todo (13,7%), e também nos dois campos ideológicos mais polarizados (17,4% na esquerda e 14,1% na direita), ainda segundo o levantamento.
Pesquisador e um dos autores do levantamento, o diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp, Oswaldo Amaral, afirma que a transmissão dessas ideias se mantém em função da formação de círculos onde as informações transitam apenas internamente.
— Mesmo quando olhamos critérios como escolaridade, a preferência ideológica é importante para explicar a maior probabilidade de acreditar ou não nessas conspirações. Mostramos isso dos dois lados, mas temos trabalhado especificamente com hipóteses de como essas informações circulam na direita, porque esses eleitores tendem a se informar mais pelas redes e ficam mais expostos a elas — diz Amaral.
A pesquisa mostra que a disseminação dessas teorias ocorre em meio a uma mudança na autoidentificação ideológica dos brasileiros desde 2018. Na autodeclaração dos entrevistados a partir de grupos mais à esquerda e à direita, em uma escala de 1 (esquerda) a 10 (direita), houve um crescimento dos que se identificam com os extremos dos dois polos: de 9%, há sete anos, para 24%, entre os que se dizem no grau máximo de direita, e de 6% para 15% entre os que se classificam como o valor máximo de esquerda. Em paralelo, o grupo que se vê como centro ficou praticamente estável.
Na análise de João Feres Júnior, professor de ciência política da Uerj, coordenador do Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública (LEMEP) e integrante do grupo de pesquisadores responsáveis pelo levantamento, a mudança deriva diretamente do efeito a longo prazo provocado pela campanha e eleição de Bolsonaro.
— A partir de 2018, ele e seus aliados se identificam abertamente como “de direita”, logo isso tem um efeito pedagógico sobre seus apoiadores, que agora sabem claramente: se me identifico com Bolsonaro, então também sou de direita. Esse efeito também funciona ao revés: se não gosto de Bolsonaro, não sou de direita, então devo ser de esquerda — explica o pesquisador.
Visão mais conservadora
Se as teorias conspiratórias atingem uma parcela mais localizada da população, o mesmo não ocorre na opinião dos brasileiros sobre temas morais. Os dados reforçam que a população tende a ter majoritariamente posicionamento mais conservador, destaca Lúcio Rennó, professor de Ciência Política da UnB e coautor da pesquisa.
A maioria dos entrevistados se posiciona contra a legalização do aborto (69,6%) e a descriminalização do uso de drogas (65,4%). Também é registrada ampla adesão a propostas de redução da maioridade penal (64,5%), de ensino religioso (80,3%) e de militarização das escolas (55,6%). A população, porém, se divide em temas como o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo (48,1% concordam e 44,3% discordam) e o uso de banheiros públicos por pessoas trans (43,6% se dizem favoráveis e 48,3%, contrários).
— Quando olhamos para essas questões no Brasil, percebemos uma forte inclinação da população a posições típicas da direita mais radical. O punitivismo penal, por exemplo, tem forte apelo na sociedade — conclui Rennó.