Sábado, 04 de Maio de 2024

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O Brasil, e boa parte do mundo ocidental, enfrenta hoje aquilo que o filósofo liberal austríaco, Karl Popper, chamou de paradoxo da tolerância. Popper descreveu o termo, pela primeira vez, em 1945, ao observar a gênese dos movimentos totalitários daquele momento trágico do pós-guerra. Em suma, o professor austríaco concluiu que uma sociedade que se declara tolerante deve ser intolerante com a intolerância. Para Popper, a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada, mesmo para aqueles que são intolerantes, e se não estamos preparados para defender uma sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles. Esta formulação não implica que devemos sempre suprimir as filosofias intolerantes, contanto que possamos combatê-las por argumentos racionais e mantê-las sob controle pela opinião pública. Mas devemos reivindicar o direito de suprimi-las, se necessário até mesmo pela força, e isso pode facilmente acontecer se elas não estiverem preparadas em debater no nível de argumentação racional, a começar por criticar todos os argumentos e proibindo seus seguidores de ouvir argumentos racionais, devido ela ser uma filosofia enganosa, ensinando-os a responder a argumentos com uso de punhos ou pistolas.

Assim, na original tese de Karl Popper, devemos reivindicar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar os intolerantes. Devemos enfatizar que qualquer movimento que pregue a intolerância deva ser colocado fora da lei, e devemos considerar a incitação à intolerância e perseguição devido a ela, como criminal, da mesma forma como devemos considerar a incitação ao assassinato, ao sequestro, à revitalização do comércio de escravos ou a apologia do holocausto, como criminosos. Nessa perspectiva, a democracia estaria alçada à condição inatacável de bem comum, algo tão sagrado a ponto de seus detratores serem tratados ao rigor da Lei.

Nesse contexto, o vacilo dos democratas no enfrentamento aos riscos agora postos nos ataques à democracia é tão pernicioso quanto a ação dos extremistas. Os democratas vacilantes desempenham um papel essencial no risco de colapso das democracias. Ao fazerem pouco caso à violência, ao extremismo e aos discursos de ódio antidemocráticos, estão de fato incentivando que conspiradores, golpistas e insurgentes armados, fustiguem a arquitetura institucional. Também enfrentam problemas as democracias ou os partidos políticos que protegem, perdoam ou toleram extremistas autoritários. Nesse caso, com sua omissão, fomentam o pensamento reacionário e deixam de combater os riscos inerentes a tais condutas. Não basta, assim, museus para honrar as instituições. É preciso uma compreensão mais orgânica do processo democrático e dos seus fundamentos, de forma a não negligenciar riscos presentes que possam comprometer o seu futuro. Não nos enganemos, portanto, pois há muitos autoritários invocando cânones democráticos, como a liberdade de expressão, por exemplo, com o objetivo paradoxal de corrompê-la.

Nessa linha, faz sentido lembrar que a democracia precede a liberdade, pois lhe concede abrigo sob o manto do Estado Democrático de Direito. Não há liberdade de expressão quando o Estado de Direito naufraga. Qualquer indivíduo é capaz de compreender isso. Contudo, antidemocratas vêm minando as instituições, dia após dia, clamando que são livres para tanto, livres para agredir as instituições em nome da liberdade de expressão. Criticados, eles dão um passo atrás, mas logo em seguida retornam ao mesmo método. Quando, então, as instituições reagem de fato, há apelos a um vitimismo frouxo, distorcendo conceitos básicos e escorregadios de responsabilidade, uma fórmula que não é nova, mas que deve ser enfrentada com coragem e sem a omissão de quem se diz democrata. É dessa postura vigilante a ativa que depende o futuro de nossas instituições, hoje aviltadas por delinquentes digitais, sectarismo e indisfarçáveis traços autoritários que pairam feito uma sombra sobre a nossa democracia.

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