Sábado, 05 de Outubro de 2024

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Homens da estirpe de Dom Phillips e Bruno Pereira são raros – especiais, destinados a feitos memoráveis, capazes de dedicar a vida a uma causa nobre, ignorando ameaças e perigos.

Quantos de nós temos a coragem de adentrar na selva úmida para dar voz e socorro aos povos originários, os nossos ancestrais, sem os quais não existiria a aventura do homem sobre a terra? Quem de nós está motivado de forma tão intensa de amor aos nossos semelhantes e à humanidade?

Quem de nós seria capaz de enfrentar todas as adversidades dos grotões amazônicos, para dar conta ao restante do planeta, em imagens e caracteres, de como ali a vida flui, de como é exuberante a natureza, são grandiosos os obstáculos, sacrificada a vida dos pobres, e de como o Estado se faz mais do que distante, simplesmente ausente?

É dessa estirpe que é feita gente como Dom Phillips e Bruno Pereira. Eles fazem o mundo melhor, mais habitável. Eles estendem as fronteiras da civilização. Eles nos lembram a cada passo que pertencemos à comunidade humana, não nos deixam esquecer que temos obrigações com a Mãe-Terra, o dever de mantê-la viva e preservá-la da devastação.

Pois estes dois homens formidáveis, plenos de bons sentimentos e de coragem, que só fizeram o bem, entretanto, encontraram a morte traiçoeira na curva do rio baleados (eles estavam desarmados), tiveram seus corpos esquartejados, e enterrados em terras soturnas, – como no apropriado termo de Joseph Conrad – no “coração das trevas”.

Não, senhores. Não foram dois irmãos ribeirinhos que, sós, cometeram o crime hediondo. O Vale do Javari é um vasto condomínio do narcotráfico na fronteira tríplice – Brasil, Colômbia e Peru – associado aos grupos delinquentes locais do contrabando, da extração clandestina de madeira, da invasão de terras indígenas, do garimpo, caça e pesca ilegais.

O verdadeiro mal não está na bandidagem: está na inapetência e na abulia do Estado brasileiro de oferecer soluções reais e duradouras para os problemas do Brasil, mais ainda nas suas regiões inóspitas e distantes.

Tudo naquelas paragens é do conhecimento geral – o entrelaçamento da pobreza, da necessidade de sobrevivência dos ribeirinhos, com o longo rosário de malfeitos e a ação maciça de quadrilheiros que ali praticam crimes impunemente.

Mudar esse quadro, só com a mão poderosa do Estado, os recursos do Estado, uma ação firme e coordenada de todas as instâncias de Poder, de todos os organismos estatais que têm ou possam vir a ter presença efetiva na área.

Não é o atual governo que conceberá um plano dessa ordem. A “administração” Bolsonaro não planeja, não formula, responde a todas as demandas com impulsos ajambrados – o improviso é uma das suas marcas. O governo só pensa naquilo: a reeleição.

A coordenação de um projeto assim abrangente poderia ser delegada às forças armadas. Mas estas atualmente preferem as facilidades da vida urbana, do asfalto das cidades. Estão mais empenhadas na especialidade de que agora se arvoram: o processo eleitoral, as urnas eletrônicas. Temas nos quais nunca tangenciaram, senão nestes anos exasperantes de Bolsonaro.

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