Quarta-feira, 17 de Setembro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 17 de setembro de 2025
Não foram poucas famílias que acompanhei em meu consultório que estavam enfrentando um grande estresse relacionado aos cuidados com os idosos – meus pacientes. Alguns não aceitavam uma atenção “especial”, e outros recusavam a presença de um cuidador em sua casa. Todos os filhos e filhas sentiam uma ambivalência vestida de angústia com a dúvida sobre respeitar a decisão de seus pais ou garantir uma assistência melhor ao ente querido.
A verdade é que, às vezes, atitudes simples podem melhorar a situação, e para ambos os lados. Em primeiro lugar, quando nos comunicamos, precisamos nos lembrar de verdadeiramente escutar o outro – afinal, ao nos expressarmos, há uma camada de medos e outros sentimentos que estão por trás das palavras. Vou dar um exemplo: ao recusar a atenção de um filho, uma pessoa idosa pode simplesmente estar com receio de se tornar um estorvo, dar trabalho, perder sua própria autonomia ou até mesmo reconhecer a própria finitude.
Assim, uma palavra fundamental é a empatia, normalmente interpretada como a capacidade de se colocar no lugar do outro, mas que não é exatamente sobre isso. Trata-se, na realidade, de perceber outra perspectiva através da nossa, com escuta e atenção, ampliando a imaginação e a conexão.
Na esteira disso, outra dica importante se refere à velocidade com que queremos mudanças – no caso de oferecer cuidados, devemos ir com calma para que transformações não sejam traumáticas. Se a ideia é contar com o apoio de um cuidador, por exemplo, que tal sugerir a presença dessa pessoa durante algumas horas do dia? Aos poucos, esse período pode ir aumentando.
Escutar o que nossos pais e avós têm a dizer é muito importante até para demonstrar que os reconhecemos como pessoas com desejos, afetos, angústias, enfim, com uma complexidade gigantesca – como qualquer um de nós.
A escuta ativa também envolve o entendimento sobre a presença de alguma condição que possa afetar o julgamento desse familiar, principalmente se for relacionada à saúde mental, como depressão e demências. E a equipe multiprofissional de atendimento à pessoa idosa tem funções nessa tarefa, desde auxiliar no diagnóstico e tratamento dessas condições até passar orientações para uma melhor adaptação frente às necessidades do paciente.
Se pensar bem, o entendimento de que “depender dos outros é muito ruim” é reproduzido constantemente ao longo da vida. Quem nunca pensou ou disse isso? E, numa comunicação efetiva com os idosos, ao invés de confrontar uma verdade que a pessoa está vivenciando, a melhor abordagem se dá com empatia e acolhimento. Então, ao invés de querermos ser ingenuamente gentis dizendo coisas como “você nunca me incomodou, e eu te amo”, é muito mais honesto e proveitoso começarmos por “sinto muito por você estar passando por isso, quer me contar mais sobre o que tem sentido?”.
Acolha-se
Outro sentimento que costuma aparecer nessas situações é o de fracasso. Há a sensação de estarmos “falhando” com essas pessoas queridas que tanto cuidaram de nós quando éramos mais jovens. Mas, diante disso, nada melhor do que lembrar que não somos perfeitos ou infalíveis, e que o “possível” é, muitas vezes, melhor do que o “ótimo”.
Infelizmente, muita gente sofre e adoece ao cuidar de alguém – é o que chamamos de “estresse do cuidador”. Minha sugestão vai na linha daquilo que os comissários de um avião bem dizem: “Precisamos colocar a máscara de oxigênio primeiro em nós e, depois, na pessoa ao nosso lado”. Por isso, discussões sobre o autocuidado e para a implantação de uma política nacional de cuidados que enxergue também as desigualdades e os marcadores sociais de nossa sociedade são tão importantes.
Por fim, há inúmeros caminhos possíveis para além do “certo ou errado” e não existe uma receita que se aplicará a todas as pessoas idosas. Mas a tônica de toda essa jornada é a escuta. Ela pode abrir uma porta para encontros maiores que desencontros. E, se algo sobrar dessa mensagem, que fique a esperança do afeto, a solidariedade com o outro e o entendimento inevitável da finitude de todos nós.
(Com O Estado de S.Paulo)