Quarta-feira, 26 de Novembro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 26 de novembro de 2025
Os humanos provavelmente compartilham suas casas com cães desde que passaram a viver de forma sedentária. Por isso, pode-se argumentar que não existe algo como “sociedade humana” sem incluir os animais como parte dela. A longa história conjunta entre humanos e cães já foi até descrita como uma forma de coevolução. Um novo estudo publicado por pesquisadores de Cambridge indica que golden retrievers e humanos parecem compartilhar uma base genética para pelo menos alguns comportamentos.
Os cães apresentam diversas adaptações que favorecem a convivência e a cooperação com pessoas. Populações humanas antigas podem até ter selecionado os ancestrais dos cães por sua capacidade de consumir alimentos mais semelhantes aos da dieta humana do que à dos lobos. Em nível psicológico, muitas adaptações facilitam a comunicação entre as espécies – como a habilidade de seguir gestos humanos, como apontar, superando até a de chimpanzés, nossos parentes evolutivos mais próximos.
Os cães também demonstram grande habilidade em responder adequadamente às emoções humanas. Mas essa sensibilidade não é unilateral: humanos parecem ter uma compreensão intuitiva da natureza das vocalizações caninas.
Atualmente, essa relação inclui o compartilhamento do ritmo acelerado e caótico que caracteriza a vida moderna. Não surpreende, portanto, que haja uma prevalência excepcionalmente alta de problemas relacionados ao estresse em cães, especialmente em países como os Estados Unidos.
Esse cenário motivou pesquisadores a investigar até que ponto problemas de saúde mental podem ser compartilhados entre as espécies. Nos últimos anos, surgiram diversas alegações sobre a possível existência de uma síndrome semelhante ao autismo em cães. Em março de 2025, um marcador genético semelhante foi identificado em alguns problemas sociais associados ao autismo.
O estudo recente elevou essa busca genética a outro patamar. A equipe analisou o código genético e o comportamento de 1.300 golden retrievers para identificar genes associados às suas características comportamentais. Em seguida, foram identificados genes “equivalentes” em humanos, herdados do mesmo ancestral evolutivo.
Também foram investigadas as associações desses genes com uma série de processos relacionados à inteligência humana, saúde mental e emoções. Para isso, especialistas no estudo e manejo das emoções de animais de companhia colaboraram na exploração da base psicobiológica dessas características.
Foram identificados 12 genes que parecem apresentar conexões entre cães e humanos relacionadas a funções psicológicas semelhantes. Alguns deles se alinhavam de maneira bastante próxima em termos de respostas emocionais — como respostas relacionadas à ansiedade não social. Em outros casos, o vínculo parecia menos evidente.
Hipóteses foram formuladas para explicar essas associações e, ao analisá-las, surgiram razões lógicas que sustentam as semelhanças observadas entre as duas espécies. Um exemplo é o gene canino ADD2, associado ao medo de estranhos, enquanto em humanos está relacionado à depressão. Como uma característica central da depressão humana é o retraimento social, suspeita-se de um elo genético comum, que nos cães – geralmente muito sociáveis –pode se manifestar como ansiedade diante de desconhecidos.
Outras associações potenciais envolviam condições humanas relacionadas a processos cognitivos complexos, como autorreflexão, algo que não se acredita ocorrer em cães. No entanto, ao examinar mais profundamente o conjunto de associações humanas, foram encontradas possíveis explicações até mesmo para esses casos.
Por exemplo, o traço de “treinabilidade” em cães estava ligado a genes humanos associados não apenas à inteligência, mas também à sensibilidade ao erro. Embora cães não projetem a si mesmos ou suas circunstâncias de forma abstrata, como os humanos fazem, eles variam na sensibilidade a experiências aversivas, o que pode constituir a base de uma raiz genética comum entre as espécies.
Os resultados oferecem uma base promissora para futuros estudos em psiquiatria comparada e evolucionária. Como afirmou Eleanor Raffan, veterinária e professora assistente de fisiologia que liderou a parte da pesquisa realizada em Cambridge: “Os achados são realmente impressionantes, fornecem evidências fortes de que humanos e golden retrievers compartilham raízes genéticas para seu comportamento. Os genes identificados frequentemente influenciam estados emocionais e comportamentos em ambas as espécies”.
É claro que existem diferenças importantes na forma como humanos e cães experimentam emoções. Grande parte das emoções humanas envolve processos mentais complexos. No entanto, isso não reduz a relevância de condições relacionadas que podem refletir questões de saúde mental ou sofrimento.
Enoch Alex, primeiro autor do estudo e doutorando no departamento de fisiologia, desenvolvimento e neurociência, resumiu os achados: “Esses resultados mostram que a genética governa o comportamento, tornando alguns cães predispostos a achar o mundo estressante. Se suas experiências de vida reforçam isso, eles podem agir de maneiras que interpretamos como mau comportamento, quando na verdade estão angustiados”.