Sexta-feira, 29 de Março de 2024

Home Edson Bündchen Riscos fiscais no horizonte

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A partir do início da pandemia do coronavírus os governos se viram obrigados a despejar U$ trilhões para salvar a economia. A maior economia do planeta puxou a fila, investindo somas astronômicas para manter o gigante americano em pé. No Brasil, não foi diferente. Apesar do crônico déficit fiscal, os volumes aplicados no socorro a estados e municípios também foram sem precedentes. A par da oportunidade e necessidade dessas intervenções, formou-se, em alguns círculos intelectuais, a noção de que os déficits públicos, mesmo em patamares historicamente inéditos, não teriam maior impacto inflacionário e, portanto, poderiam ser um instrumento adequado para mitigar eventos cíclicos de retração econômica. Uma declaração reveladora e polêmica da Deputada democrata americana, Nancy Pelosi, denota a visão de que parte dos “policy-makers”, políticos e economistas passaram a cultivar em relação à responsabilidade fiscal: “Quando estamos tendo essa discussão, é importante dissipar alguns daqueles que dizem, bem, são gastos do governo. Não, não são! Os gastos do governo estão fazendo exatamente o contrário, reduzindo a dívida nacional. Não é inflacionário!”.

Para poder contrapor essa provocação em relação a um dos fundamentos mais sólidos da macroeconomia é prudente revisar alguns conceitos elementares dessa matéria. A política fiscal consiste no planejamento e gestão, pelo governo federal, das receitas e despesas da União, bem como no controle dos resultados do Banco Central, das empresas estatais e dos estados e municípios que integram o Orçamento Federal, enviado anualmente ao Congresso Nacional. O equilíbrio fiscal deve ter como norte a sustentabilidade do resultado das contas públicas a longo prazo, o que requer que as trajetórias de receitas e despesas sejam mutuamente compatíveis. Déficits primários persistentes são supridos com o recurso ao endividamento, que relega um ônus às gerações futuras. Além disso, a escalada da dívida pública mobiliária, pelo risco e custo que representa, encarece o seu próprio financiamento, num círculo vicioso. Esse entendimento é basilar. Contestá-lo equivale a imaginar, por exemplo, ser possível suprimir a lei da gravidade a partir de um ato de vontade. Nesse particular, entretanto, a ousadia não chega a tanto por motivos óbvios.

É sabido também que a viabilidade fiscal de um país deve estar fundada em alicerces perenes e sólidos, pouco sujeitos a voluntarismos. Não é, entretanto, o que atualmente presenciamos. Em declarações recentes, o candidato líder nas pesquisas de opinião ao cargo de Presidente da República do Brasil, tem dito que não será em respeito ao teto de gastos que o povo continuará a passar fome. Essas e outras afirmações públicas de desapreço pelas regras fiscais vigentes trazem enorme preocupação. É compreensível que se combata a pobreza e se busquem maneiras de garantir maiores inversões nas áreas essenciais, mas não ao preço de solapar os fundamentos fiscais tão duramente consolidados após o Plano Real, que trouxe maior previsibilidade e segurança, depois de décadas de descontrole inflacionário. Ainda assim, o expansionismo fiscal tem muitos adeptos, vários deles advogando o intervencionismo estatal como instrumento capaz de suprir a falta de investimento privado, principalmente em áreas fora de seu interesse. O gasto governamental, assim, não só preencheria essa lacuna, mas traria benefícios sociais e políticos, permitindo, por meio do conhecido “multiplicador keynesiano”, aumentar a renda agregada numa dimensão muito superior ao dispêndio original.

Uma alternativa mais conservadora, entretanto, é uma política fiscal anticíclica, moderando movimentos de crescimento das despesas com cortes de gastos, aumento de impostos, redução da dívida pública e elevação das reservas internacionais, como forma de preparação para os inevitáveis ciclos de contração econômica. Esse debate está em aberto, e o seu encaminhamento adequado será fundamental para os destinos de nossa economia nas próximas décadas.

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